A Comissão “Paulo Devanier Lauda” de Memória e Verdade da Universidade Federal de Santa Maria publicou nota sobre o Golpe de 1964. Confira o texto na íntegra a seguir.
NOTA DA COMISSÃO PAULO LAUDA SOBRE 1964: NADA A COMEMORAR
Quando a Presidência da República índica para as unidades militares a comemoração do Golpe de 1964, em apologia ao Terrorismo de Estado então praticado, a sociedade que preza a democracia e os direitos humanos, para não ser cúmplice, não deve ficar calada.
Desde o início de abril, no ano fatídico de 1964, as liberdades democráticas começaram a ser extintas no Brasil, com a cassação de integrantes dos executivos e legislativos, com a intervenção militar em organizações da sociedade civil, com a demissão de funcionários públicos, com as prisões, os exílios, as torturas, os assassinatos e os desaparecimentos políticos.
Santa Maria e sua Universidade Federal não ficaram de fora. A deposição do Prefeito eleito, Paulo Devanier Lauda, no AI-1, foi seguida de seu expurgo como docente da Medicina na UFSM. O mesmo destino do vereador Eduardo Rolim, também com cátedra no mesmo curso de Medicina, processado por IPM que o tirou do convívio universitário.
Foi apenas o ensaio geral. Depois vieram as perseguições políticas dos outros dois segmentos. Assim, professores, técnico-administrativos e estudantes, contrários ao arbítrio, foram sendo vigiados, calados, perseguidos, envolvidos na doutrinação de uma disciplina obrigatória a todos os cursos, o suposto Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB), uma verdadeira propaganda ideológica da Ditadura, assim como já era com Educação Moral e Cívica (EMC) e com Organização Social e Política Brasileira (OSPB) nas escolas.
No início da década de 1970, como marca da expansão do famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI) para as universidades, a UFSM teve a sua Assessoria do Serviço de Informações (ASI) que nada mais fez do que vigiar e criar uma rede de “dedos duros” para vilipendiar a liberdade de cátedra, para denunciar estudantes críticos, para perseguir técnico-administrativos que não silenciavam diante da Ditadura.
Na UFSM, tivemos detenções de estudantes, demissões de servidores. Nas universidades públicas, assim como em todos os recantos do Brasil, vários foram torturados e/ou desaparecidos pela Ditadura de Segurança Nacional, crianças e mulheres não escaparam da sanha de autores de crime imprescritíveis e inafiançáveis, de lesa humanidade, como o estupro e a tortura Isto não tem nada a ver com “probleminhas”, isto tem a ver com a face mais cruel das ditaduras como essa, iniciada em nosso País, em 1º de abril de 1964, o dia de uma mentira que ainda insiste em se perpetuar entre aqueles que foram coniventes ou se locupletaram política e economicamente com aqueles tempos.
Passados 55 anos, a gravidade de comemorar aqueles anos infames não é somente de natureza política: ela representa um atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito, conforme previsto no art. 1º, bem como no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988. O apoio de um presidente da República ou quaisquer autoridades poderia até mesmo, configurar crime de responsabilidade (artigo 85 da Constituição, e Lei n° 1.079, de 1950). Vozes democráticas do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, dos Familiares de Desaparecidos Políticos, dos Movimentos Sociais, de Partidos Políticos e de milhares de organizações da sociedade civil se levantam para não naturalizar, não aceitar, não ficarem calados diante de tão grave afronta à Democracia, vinda de um alto poder da República.
A Comissão “Paulo Devanier Lauda” de Memória e Verdade da Universidade Federal de Santa Maria, neste grave momento da Nação, se soma aqueles que se manifestam em defesa da democracia e inclinam suas bandeiras para todas as vítimas da Ditadura, sobretudo em homenagem às lutadoras e guerreiros que se foram ou sobreviveram para que pudéssemos nos manifestar livremente e denunciar os acontecimentos trágicos de todos os tipos de violência estatal e paraestatal que vigoraram em nosso País, cometidos contra os direitos humanos, de consequências nefastas até os dias atuais.
Para que não se esquença, Para que nunca mais aconteça!