Uma doença que afeta tanto o homem quanto o seu melhor amigo
tem sido motivo de preocupação
cidade. Desde abril do ano passado, já foram identificados no município 17
casos de cães infectados por leishmaniose visceral, doença que é transmitida pelo
flebotomíneo (Lutzomyia spp.), inseto
que popularmente é conhecido por nomes como birigui ou mosquito-palha – embora não
pertençam à mesma família dos mosquitos. Através da picada, os flebotomíneos
transmitem protozoários parasitas do gênero Leishmania,
causadores da doença. A forma visceral é a mais grave da leishmaniose, podendo
causar a morte tanto de pessoas como de cachorros. Nos seres humanos, ela
também se manifesta na forma tegumentar (cutânea ou mucocutânea).
Embora os sintomas variem, os sinais mais visíveis nos cães
infectados por leishmaniose são o crescimento anormal das unhas, queda de pelo
ao redor dos olhos, inchaço nas articulações, emagrecimento e aumento dos
linfonodos – pequenos órgãos que atuam na produção de anticorpos, também
conhecidos como gânglios linfáticos.
Vinculada à Secretaria Municipal de Saúde, a Vigilância Ambiental
é o órgão responsável pela identificação de focos da doença
isso, conta com o apoio do Laboratório de Doenças Parasitárias (Ladopar) da UFSM. Atuante no Ladopar, uma das acadêmicas envolvidas no trabalho é Jaíne
Soares de Paula Vasconcellos, doutoranda
Sob a orientação do professor Luís Antônio Sangioni, do Departamento
de Medicina Veterinária Preventiva, ela está desenvolvendo, em conjunto com o
Laboratório de Geomática, um aplicativo para telefone celular que vai auxiliar
o trabalho da equipe de saúde envolvida no combate à doença.
Atualmente os fiscais da Secretaria da Saúde precisam preencher
fichas de papel relativas aos cães monitorados e às armadilhas para capturar os
flebotomíneos. O aplicativo, previsto para ser usado ainda neste semestre, eliminará
a necessidade de papéis para o preenchimento das informações e vai enviá-las
diretamente para uma central de dados na UFSM.
No aplicativo, os profissionais da Vigilância Ambiental
poderão registrar fotos dos cães examinados e do ambiente onde vivem, assim
como as suas características gerais: endereço, nome do animal e dos
proprietários, sexo, idade, raça, tipo e cor da pelagem. Mesmo que se trate de
um cão de rua, os fiscais poderão registrar no aplicativo, por meio de GPS, o
local onde foi encontrado, incluindo as coordenadas geográficas e referência no
Google Maps.
Quanto ao quadro clínico, além dos sintomas mencionados
acima, os profissionais de saúde vão informar no aplicativo se os cachorros
apresentam descamação, ulceração, inflamação nos olhos, coriza, apatia,
diarreia, hemorragia intestinal e vômito. No banco de dados, serão registrados
ainda se foi coletado sangue (ou outros tipos de amostra do animal) para exames
e o resultado dos mesmos.
Como a leishmaniose é uma doença que pode se espalhar para
municípios vizinhos, o aplicativo poderá ser usado gratuitamente pelas equipes
de saúde de outras cidades, que assim têm a possibilidade de compartilhar entre
si as informações coletadas. Para obter o aplicativo, as prefeituras
interessadas deverão entrar em contato com o Laboratório de Geomática da UFSM.
Características e tratamento
– Doença endêmica em diversas regiões do mundo, ocorrendo principalmente em
países tropicais e subtropicais, a leishmaniose pode apresentar características
diferentes dependendo de cada país ou região, principalmente no que se refere
aos hospedeiros do protozoário, aos insetos transmissores e aos subgêneros mais
comuns do parasita Leishmania.
No Brasil, o inseto transmissor é a fêmea do flebotomíneo –
os machos não se alimentam de sangue. Os cães são os principais
“reservatórios” dos protozoários nas áreas urbanas, embora eles
também possam hospedar-se em raposas, roedores e outros mamíferos silvestres.
Após a contaminação do cão pelo parasita, a leishmaniose
pode demorar meses ou mesmo alguns anos para se manifestar. No entanto, quando
isso acontece, a doença é quase sempre letal se não for tratada. Jaíne explica
que não é obrigatória a eutanásia dos cães infectados por leishmaniose. A morte
induzida do animal justifica-se apenas em alguns casos, quando a doença atinge
um estágio avançado.
Porém, muitas vezes esses animais infelizmente acabam sendo
sacrificados, já que a medicação para o tratamento é cara e com frequência os
proprietários não têm como pagar. O aparecimento da doença não causa
constrangimento apenas para os donos dos cães. Jaíne conta que, quando
diagnosticam um cão com leishmaniose, alguns médicos veterinários não notificam
a Secretaria da Saúde – o que é obrigatório – com medo de que tenham de
proceder a eutanásia.
Em anos anteriores, a prática comum da eutanásia nesses
casos também se explicava pela ausência de medicamentos para uso veterinário.
Com relação à leishmaniose, os ministérios da Saúde e Agricultura proibiam a
aplicação de medicamentos humanos em cães, com a justificativa de que os
parasitas poderiam adquirir resistência ao remédio. Somente em 2016, foi
liberada a comercialização do antiparasitário Milteforan para uso exclusivo em
cães.
Junto com a aplicação oral do remédio, recomenda-se o uso de
coleira antiparasitária no cão contaminado. O tratamento durará até que os
testes sanguíneos acusem uma carga parasitária insignificante. Já que o
tratamento não tem o poder de eliminar totalmente a Leishmania, a quantidade de parasitas no organismo do cachorro terá
de ser monitorada pelo resto de sua vida.
Nas pessoas com leishmaniose visceral, os órgãos mais
afetados são o fígado e o baço, o que provoca o inchaço do abdômen. O
diagnóstico pode ser difícil, pois sintomas variantes (como febre alta, perda
de peso, fraqueza, cansaço, anemia, palidez, infecções frequentes e sangramento
nas mucosas) podem ser confundidos com os de outras doenças. Na forma
tegumentar, menos grave e mais comum, a doença provoca feridas espalhadas na
pele e, ocasionalmente, o inchaço dos linfonodos. O tratamento varia,
dependendo do tipo de leishmaniose.
Prevenção – Como
os flebotomínoes vivem em ambientes úmidos ricos em matéria orgânica (incluindo
lixo orgânico), é de fundamental importância a limpeza do local onde o cachorro
vive. Para prevenir o aparecimento da doença, recomenda-se o uso da coleira
antiparasitária, que protege ainda contra pulgas e carrapatos. Também estão
disponíveis no mercado vacinas contra a leishmaniose visceral canina.
Os flebotomíneos não voam grandes distâncias. Um dos seus
habitats preferidos são áreas próximas a matas. Para quem vive nesses locais,
recomenda-se o uso de repelente e a instalação de redes – que precisam ser
bastante finas – nas janelas. Esses insetos são ativos principalmente à noite,
e também ao escurecer e no clarear do dia. Embora tenha hábitos noturnos, eles
são atraídos pela claridade. Para capturá-los, está prevista para a próxima
semana a instalação de armadilhas, compostas por luz elétrica e rede coletora,
em pontos estratégicos da cidade.
Texto: Lucas Casali