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“Ainda sou encarada como vilã por denunciar os absurdos que passei”



“O assédio moral que
sofri na pós-graduação mudou minha vida. Perdi a oportunidade de conseguir uma
bolsa para pagar minha pesquisa por conta de favoritismos dos professores.
Mesmo quando minhas notas eram melhores do que as de meus colegas, eu era prejudicada
de alguma forma. Não foram somente meu jeito, meus posicionamentos e minha
forma de levar a vida que me trouxeram à situação insustentável em que me
encontro no programa, foi a minha palavra.

O silêncio não é meu. Aceitar
uma situação de assédio moral calada não estava nos planos. A forma como todos
começaram a me olhar quando denunciei o caso e as consequências disso é que
foram desumanas.

Os cochichos no corredor, o olhar dos professores e até
dos secretários do programa só pioraram quando decidi levar adiante a denúncia.
Perdi o contato com todos que convivia e ainda sou encarada como vilã por
denunciar os absurdos que passei.”

O medo de retaliações ainda é grande por boa parte das
pessoas que denunciam casos de assédio. A vida da vítima é alterada de todas as
formas, as suas relações, o seu trabalho, o seu estudo e, principalmente, a sua
saúde. Dando sequência à série de matérias sobre assédio na Universidade, a
abordagem desta terça (1º) é ambiente de ensino.

Assédio em sala de aula

O assédio moral é comumente caracterizado por ser uma conduta
abusiva, intencional e recorrente, que ocorre no ambiente de trabalho e visa
humilhar psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições
de trabalho, a sua dignidade e colocando em risco sua integridade pessoal e
profissional. No entanto, o assédio moral não se manifesta apenas em ambientes
de trabalho, na relação chefe e subordinado, ele pode se manifestar também em
ambientes educacionais, nas relações professor-aluno, técnico-aluno,
professor-técnico e também entre colegas.

Para Cristina Hass, estudante de Jornalismo e integrante do
Diretório Central dos Estudantes da UFSM, o problema está na hierarquização das
relações dentro das universidades, desde o momento de entrada dos estudantes na
graduação até o momento da formatura. “Temos que quebrar com essa lógica de que
o estudante é inferior aos professores”, pontua. Para ela, uma das formas de
combater o assédio na universidade seria quebrar aos poucos essas hierarquias
para que o estudante não se sinta impotente frente a situações de assédio.

Em 2003, o pesquisador José Augusto Dela Coleta, doutor em
Psicologia pela USP, realizou um estudo a respeito das manifestações mais
frequentes de assédio moral em universidades de Minas Gerais. A
pesquisa contou com a participação de 1.132
estudantes universitários, sendo 424 homens e 708 mulheres, de seis
instituições de educação superior, públicas e privadas.

O levantamento recolheu relatos de assédio sofridos pelos
alunos, dentro de sala de aula, por parte de professoras e professores. A
partir dos relatos foram elaboradas 12 categorias para descrever os casos de
maior ocorrência: agressão física; agressão verbal; ameaça; acusação agressiva
e sem provas; assédio sexual; comentários depreciativos, preconceituosos ou
indecorosos; tratamento discriminatório e excludente; rebaixamento da
capacidade cognitiva dos alunos; desinteresse e omissão; uso inadequado de
instrumentos pedagógicos, prejudicando os alunos; recusa em realizar seu
trabalho; e abandono do trabalho em sala de aula.

Do total de relatos, 65,52% apresentaram situações de
rebaixamento da capacidade cognitiva, agressão verbal e comentários depreciativos,
preconceituosos e indecorosos.

O estudo tinha como objetivo mapear a ocorrência de casos de
assédio moral nas universidades. Além dos dados obtidos no estudo, que
confirmaram a relevância do tema, foi concluído que a ocorrência dos casos era
maior do que se pensava. Durante as entrevistas, também se observou que boa
parte dos alunos, vítimas de assédio moral em sala de aula, não tiveram nenhuma
dificuldade em evocar e relatar os casos de assédio quando perguntados.

Casos mais comuns na
pós-graduação

Na pós-graduação, situações de assédio moral são ainda mais
recorrentes. Neste caso, o problema está mais relacionado à relação entre o(a)
professor(a) orientador(a) e seus orientandos(as).

De acordo com Iolanda Araújo, acadêmica do Programa de
Pós-Graduação em Extensão Rural e integrante da Associação de Pós-Graduandos da
UFSM (APG), a principal diferença entre os casos de assédio que ocorrem na fase
da graduação e os que acontecem na pós-graduação é a relação entre o(a)
assediador(a) e a vítima.

A relação que o discente tem com o(a) professor(a)
orientador(a) na pós-graduação acaba sendo muito mais próxima do que na graduação,
por conta da pesquisa orientada. “Existe uma relação de dependência. Nós
dependemos muito mais dos nossos orientadores por conta da nossa pesquisa. Então
nós não podemos nos indispor com eles”, comenta Iolanda.

Em decorrência dessa relação, muitas vezes os alunos se veem
“obrigados” a realizar tarefas e favores que não têm ligação com a sua
pesquisa, como pagar contas para o professor, fazer fotocópias, preparar e dar
aulas que estão fora da sua grade de estágio e docência, por exemplo.

Além do assédio entre professores e discentes, também existe
o assédio entre os colegas. Produtividade
e competitividade são os principais fatores que levam os estudantes a
vivenciarem situações de assédio. A pressão por produzir e avançar na pesquisa
junto à cobrança dos(as) orientadores(as) são fatores que, frequentemente,
colocam os alunos em situações de competição, principalmente em casos em que
exista a concorrência por bolsas de pesquisa.

Saúde mental em risco

Muitos desses fatores influenciam diretamente na saúde mental
e física dos estudantes. Dores no corpo, constrangimento, sentimentos de culpa
e irritabilidade, cansaço, exclusão, ansiedade e depressão são apenas alguns
dos sintomas decorrentes de situações de assédio moral.

Na cartilha publicada
pelo Ministério da Saúde, em 2015, são identificadas algumas consequências
psicopatológicas, psicossomáticas e comportamentais que o assédio moral pode
gerar na vida das vítimas. Dentre as principais, podem-se destacar:
insegurança, insônia, mudança de humor, pânico e fobias, pesadelos, hipertensão
arterial, taquicardia, dermatites e gastrite.

De acordo com Ana Júlia
Vicentini, servidora do Núcleo de Apoio à Aprendizagem da Coordenadoria de Ações Educacionais
da UFSM (CAED), e Filipe
Sales, psicólogo colaborador e bolsista na CAED, o assédio tem impacto
extremamente negativo, pois, muitas vezes, não atrapalha só a vida acadêmica,
mas interfere também nas esferas psicológica e social. As principais queixas
relatadas pelos universitários ao Núcleo de Apoio são a respeito de problemas
relacionados ao convívio professor(a)-aluno(a) em sala de aula,
bolsista-servidor(a) e servidor(a)-aluno(a).

A
importância de denunciar

A realização da
denúncia, em casos de assédio, nem sempre é tão fácil. Quando o assédio ocorre dentro
de sala de aula é ainda mais complicado, pois nem sempre o estudante tem acesso
ou conhecimento dos seus direitos e das instâncias de denúncia da universidade.

De acordo com Iolanda, boa
parte dos casos de assédio chega até a APG de maneira informal, a partir de
conversas nos corredores da universidade ou por meio de terceiros. A denúncia,
muitas vezes, não é efetivada.

No entanto, mesmo que o processo seja desgastante para a
vítima, é importante que a denúncia seja realizada na
Ouvidoria Geral da UFSM para garantir que
o caso receba o encaminhamento adequado dentro da instituição. Engaje-se neste
debate. Contribua com a conscientização e o combate ao assédio na Universidade.
Denuncie.

Esta semana, o assédio é
tema de uma série de reportagens. Nesta segunda (31), foram abordadas as
manifestações de assédio nas relações de trabalho. Nesta quarta (2), a última
reportagem do Especial UFSM Sem Assédio terá como foco a rede de atendimento e
as ações da UFSM no combate a este tipo de violência.   

Texto: Assessoria de Comunicação do Gabinete do Reitor

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