“Conheci ele quando ainda era aluna. Eu era bolsista e
tive que participar de um trabalho com ele. Amigos me alertaram: ‘seja
cuidadosa’, ‘não se aproxime tanto dele’, ‘ele costuma ser invasivo’, ‘ele joga
umas contra as outras’.
Quando começamos a trabalhar, ‘elogios’ acompanhados de
abraços longos e apertados eram comuns. Até pensei se não era culpa minha. Se
não estava usando roupa de menos, dando muita ‘abertura’ ou simplesmente
sorrindo demais. As mulheres sempre foram educadas a sorrir e aceitar, obedecer
sem titubear. Mas, não era coisa da minha cabeça, não existia intimidade para
essas investidas ‘carinhosas’. De vez em quando, as outras meninas eram as
‘gostosinhas’ ou as ‘lindinhas’. Não é o tipo de coisa que se espera de um
homem mais velho a quem você deve responder profissionalmente. Não era só falta
de profissionalismo. Piadas machistas eram frequentes e ninguém falava sobre
isso.
Quando era eficiente demais ele se sentia ameaçado.
Quando discordei de suas posturas ele gritou, mais de uma vez. Sempre fez
questão de deixar explícito que ali quem mandava era ele, e eu devia aceitar e
obedecer como todo mundo. Quando a denúncia foi feita, muitos desacreditaram
dos relatos, mesmo sendo vários. Uma rotina repetitiva de humilhação,
menosprezo, rebaixamento, toques indesejados e repressões que causavam danos
físicos e psicológicos aos trabalhadores e estudantes que lá estavam não
pareciam suficientes. A tolerância com ele era grande e o setor adoecia aos
poucos”.
Essa
história não tem nomes, mas provavelmente muitas mulheres e também homens se
identificaram com algum dos trechos do relato. São situações que se repetem em
diversos ambientes de trabalho e estudo, mas que, infelizmente, em muitos casos
permanecem silenciados, seja por barreiras sociais, culturais ou
institucionais, medo, vergonha ou desconhecimento. Uma realidade presente não
somente em instituições públicas ou privadas de ensino. O assédio, tanto moral
quanto sexual, é um problema muito maior, que se manifesta em boa parte dos
setores da sociedade.
O
combate ao assédio, moral e sexual, é uma pauta importante para a UFSM e faz
parte da agenda de prioridades da atual gestão. Em função disso, nesta semana
em que é celebrada a Semana do Servidor Público, preparamos uma série de
reportagens sobre o tema. De hoje até quinta-feira, abordaremos esta
problemática sob diferentes ângulos: hoje, o assédio nos ambientes de trabalho.
Amanhã, o assédio nas relações de ensino e aprendizagem e, na quinta-feira, as
ações que vêm sendo desenvolvidas pela Universidade visando à conscientização,
prevenção e investigação dos casos de assédio.
Assédio
nas Universidades
De acordo com a pesquisa “O assédio moral no
contexto universitário: uma discussão necessária
”,
realizada na Universidade Federal de Santa Catarina, em
assédio moral e sexual nas universidades é tão comum quanto fora delas. Como um
espaço de ampla circulação de pessoas, a universidade não está imune a esses
casos.
A pesquisa fez uma análise quantitativa e
qualitativa das ocorrências de assédio moral na UFSC. Realizada com servidores
docentes e técnico-administrativos. Contou com 279 participantes, destes 55,9%
são do sexo feminino e 43% do sexo masculino, com média de idade de 45 anos.
Das conclusões da pesquisa evidencia-se que
4,6% dos trabalhadores passaram por deterioração proposital das condições de
trabalho, 5,1% passaram por um processo de isolamento e recusa de comunicação,
3,7% sofreram atentado contra a dignidade e 1,4% sofreu violência verbal,
física ou sexual. Sendo 70,1% das violências cometidas por dois ou mais
agressores, 45,5 % dos assédios cometidos por colegas de trabalho, 44,2% por
superiores hierárquicos e 41,6% dos agressores sendo do sexo masculino.
A pesquisa traz dados para uma discussão
urgente, que tem como objetivo incentivar as instituições a ter como meta
prioritária a prevenção e o combate à violência.
Mas o
que configura assédio moral?
O
assédio moral em ambientes universitários se manifesta, na maioria das vezes, a
partir da exposição de servidores ou estudantes da instituição a situações
humilhantes e repetitivas durante o expediente de trabalho ou dentro das salas
de aula, por exemplo. Esse tipo de assédio se caracteriza por atitudes
sistemáticas e prolongadas que colocam o assediado em situações constrangedoras
e ferem sua dignidade ou sua integridade física.
De acordo com a subcoordenadora da Comissão
Permanente de Sindicância e Inquérito Administrativo da UFSM (COPSIA), Josiane Borges,
dependendo da gravidade do ato, “não é preciso, necessariamente, que exista uma prática reiterada para
que aconteça a denúncia de um caso de assédio”. Dentre os objetivos do
assediador podem-se evidenciar a intenção de desestabilizar emocionalmente o
assediado, rebaixá-lo frente aos colegas, gerar constrangimentos até que ele
peça demissão ou transferência.
O assédio moral ainda não tem uma lei
específica, mas geralmente os casos têm um enquadramento legal a partir do Art. 197 do Código Penal Brasileiro, que considera
como atentado à liberdade de trabalho “constranger alguém, mediante violência
ou grave ameaça”.
De acordo com a cartilha
Assédio Moral e Sexual no Trabalho
, elaborada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego em
condena o assédio moral foi Iracemápolis, em São Paulo. No entanto, existem
atualmente 80 projetos de lei sobre assédio moral que estão em tramitação ou já
foram aprovados nos âmbitos municipal, estadual e federal.
E o assédio sexual?
O assédio sexual é caracterizado como toda
forma de avanço sexual não consensual. É um tipo de coerção que se manifesta em
situações em que o agressor insiste numa abordagem abusiva com a pretensão de
obter favores sexuais, mediante imposição.
O art. 216 do Código Penal já prevê que:
“constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” é crime. A pena
prevista é a detenção de
2 anos.
O que muitos não sabem é que assédio sexual
não é somente a conjunção carnal. Desde 2009, com a alteração do Código Penal,
o toque em partes íntimas, um beijo forçado ou qualquer atitude que tem por finalidade
dar prazer sexual ao agente sem consentimento pode, em alguns casos, também ser
caracterizado como assédio. Mesmo investidas menos “nocivas”, como se costuma
definir os elogios corriqueiros, abraços demorados, beijos apertados no rosto,
aproximações indesejadas e tentativas de estabelecer um caráter sexual a uma
relação profissional podem ser caracterizados como assédio sexual.
Tanto em casos de assédio sexual quanto em
casos de assédio moral, geralmente a vítima está em uma posição hierárquica desprivilegiada
em relação ao assediador. O que dificulta, em muitos casos, o processo de
denúncia. Muitas vítimas não chegam a procurar ajuda por medo de retaliações ou
recorrência do assédio no ambiente de trabalho ou estudo.
No
entanto, mesmo que o processo seja desgastante para a vítima, é importante que
a denúncia seja realizada na Ouvidoria Geral da UFSM para garantir que o caso
receba um encaminhamento dentro da instituição. Engaje-se neste
debate. Contribua com a conscientização e o combate ao assédio na Universidade.
Denuncie:
http://ouvidoria.ufsm.br/.
O debate sobre o assédio na Universidade
continua amanhã (1), com uma reportagem sobre casos de assédio moral e sexual
nas relações estudantis. Na quinta-feira, o foco será a rede de atendimento e
as ações da UFSM no combate a este tipo de violência.
Texto: Assessoria de Comunicação do Gabinete do Reitor