Conforto acústico. Foi pensando nesse quesito, muitas vezes negligenciado na construção de imóveis, que o pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC) do Centro de Tecnologia (CT) da UFSM Willian Magalhães de Lourenço criou uma proposta de classificação acústica de habitações brasileiras baseada na percepção dos usuários. O resultado, além de ser um guia pioneiro no país, lhe rendeu uma premiação nacional: sua tese de doutorado sobre o tema conquistou o prêmio da Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído (Antac), na categoria “Conforto Ambiental e Eficiência Energética”.
Willian vem trabalhando com acústica de edificações desde a graduação em Arquitetura, na Universidade Regional Integrada Campus Santiago. Durante o mestrado, já no PPGEC, trabalhou especificamente com medições em laboratório sobre desempenho acústico, mas percebia, principalmente por ser arquiteto, que apenas mensurar os valores de desempenho acústico de materiais na construção civil ainda era pouco prático para confluir com a qualidade do projeto arquitetônico.
Foi quando convenceu-se da necessidade de desenvolver uma pesquisa alinhada com seu principal propósito como pesquisador: melhorar a qualidade do projeto de arquitetura por meio do conforto ambiental. “Um dia comprei um eletrodoméstico e me deparei com o selo Procel de eficiência energética, aquele que define o quão eficiente o eletrodoméstico é sobre consumo energético, e pensei, ‘por que não um selo que classificasse a qualidade acústica de habitações?’ E assim surgiu a ideia que foi desenvolvida na tese”, relata.
Qualidade acústica: de A a F
A proposta classifica a qualidade acústica de habitações a partir de um método matemático que relaciona todas as variáveis acústicas que compõem e corroboram na sensação benéfica ou maléfica do usuário em sua habitação, classificando-a em A (melhor qualidade) até F (pior qualidade). Diversos aspectos de qualidade acústica são levados em consideração, como isolamento de fachadas, entre unidades habitacionais (sistemas de vedação vertical internas, sistemas de pisos), disposição arquitetônica (como o projeto é configurado espacialmente), contexto urbano em que a habitação está inserida (referente à poluição sonora incidente) e também relativo aos ruídos de equipamentos (elevadores, bombas pressurizadoras) e o ruído nas circulações condominiais.
Primeiramente, Willian precisou se debruçar sobre os 11 métodos de classificações já existentes no mundo, para poder compreender como foram concebidos e como corroborá-los, de forma a criar um método adaptado ao Brasil, com suas diversidades tecnológicas e construtivas e, também, à realidade sociocultural dos brasileiros.
Foram questionadas mais de 2,2 mil pessoas de todos os estados do país, com o intuito de estabelecer relações estatísticas confiáveis para mensurar o desconforto da população brasileira, para então propor um modelo matemático baseado nesta experiência dos usuários. De modo geral, o ruído aéreo e o ruído de impacto são os mais incomodativos, seguidos do ruído externo em edificações, para a amostra avaliada. “A percepção dos usuários é fundamental para que o método seja propriamente brasileiro, pois a partir da percepção dos usuários é que foi possível atribuir valores que compõem o modelo matemático de classificação, e assim, ser fidedignamente apropriado para todo o território”, explica.
No momento, está em tramitação um registro de software para aplicação do método de classificação – este é o trabalho de Willian no pós-doutorado. A previsão é de que seja disponibilizado a partir de janeiro de 2025.
Garantia de qualidade acústica
A intenção é que a proposta do pós-doutorando contribua para o conforto ambiental. Como o método de classificação propõe utilizar valores de isolamento sonoro das materialidades, ele pode confluir para o aperfeiçoamento do projeto arquitetônico – prevendo, por exemplo, os elementos mais frágeis e que influenciam negativamente na classificação. Assim, o projetista poderá rever aspectos do projeto para objetivar melhores classificações. Além disso, a proposta também serve para edificações já construídas, permitindo uma análise de quais aspectos são mais importantes serem repensados para ter uma melhoria na qualidade acústica da habitação.
“A expectativa é que a classificação sirva para os usuários como uma garantia de qualidade acústica, visto que, atualmente, a maioria das pessoas que compra unidades habitacionais possui problemas de acústica em suas habitações. Além disso, que sirva para o mercado da construção civil como um aspecto de valoração de venda, sendo a unidade habitacional projetada e construída com classificação ‘A’, mais valorizada pelos compradores, servindo como um alvo de interesse para compra. Por fim, que a classificação possibilite aos projetistas o repensar do projeto e da execução, refinando o resultado final e a aproximação com um projeto que objetiva uma qualidade acústica”, destaca.
Reconhecimento ao trabalho do PPGEC
A elaboração da proposta de classificação acústica agregou ainda mais know how ao PPG Engenharia Civil da UFSM, que já tem uma trajetória com acústica sedimentada, por meio do trabalho de professores como Gihad Mohamad, do Departamento de Estruturas e Construção Civil, que foi o orientador da tese de doutorado premiada.
Espaços como o Laboratório de Termoacústica (LaTa), onde Willian desenvolve parte de seus estudos, disponibilizam estrutura e equipamentos adequados, como o medidor de nível de pressão sonora, ou sonômetro, que “mede o som”; microfone capacitivo, que capta a energia sonora e manda a informação para o sonômetro realizar as análises dos estudos; e fonte omnidirecional, ou dodecaédrica, que pressuriza a sala com energia sonora.
“Mesmo sendo arquiteto e urbanista, fui abraçado pelo PPGEC desde 2018, quando iniciei minha carreira como pesquisador. O caráter multidisciplinar do Programa proporcionou trocas de experiências muito benéficas para minha formação, e acredito que também o inverso”, avalia o pós-doutorando. A tese de doutorado premiada foi defendida em novembro de 2023. O autor destaca a importância da orientação do professor Gihad. “Foi fundamental para que a tese tivesse o êxito que teve. Ele sempre me motivou a desenvolver o estudo”, diz Willian, que é professor da Arquitetura e Urbanismo do Campus Sede.
No próximo semestre, Willian deverá ofertar uma disciplina de projeto, simulação e classificação acústica de habitações, visando difundir o estudo no meio acadêmico e para profissionais da área.
Fotos: Laurent Keller, acadêmica de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias