O artesanato é uma prática que pode trazer a ancestralidade. As técnicas compartilhadas entre gerações são um modo de expressão e aprendizagem. A tecelagem com lã é um exemplo dessa prática e pode ser aprendida no Laboratório de Lã da Universidade Federal de Santa Maria.
Desde 1981, quando foi criado, o Laboratório de Lã busca valorizar o produto ovino, inicialmente prestando um serviço ao Programa de Melhoramento Genético dos Ovinos do RS (PROMOVI). Após a chegada da fibra sintética no mercado internacional, a lã perdeu espaço e, desta forma, as análises da lã realizadas pelo laboratório da UFSM passaram a ter menos procura. Assim, o laboratório, na época coordenado pelo professor Cleber Cassol Pires, procurou alternativas no desenvolvimento de projetos focados na divulgação da lã ovina através do artesanato.
“Em função da queda no preço da lã no mercado internacional, os rebanhos de ovinos no Rio Grande do Sul foram sendo substituídos por rebanhos de raças com aptidão para produção de carne, que apresentam uma lã mais grossa e, portanto, menos utilizada para vestuário”, comenta a professora do Departamento de Zootecnia e uma das coordenadoras do projeto, Ana Gabriela Saccol. O artesanato passou a ser uma alternativa para esse tipo de material.
O Ateliê de Tecelagem
O projeto “Divulgação da lã ovina através do artesanato”, coordenado pela zootecnista Simone de David Antônio, oferece cursos para a comunidade desde 2002, e todas as pessoas que estejam interessadas em aprender sobre a lavagem da lã, o cardar, fiar e tecer podem se inscrever. Os cursos são oferecidos semestralmente em parceria com o SENAR e são divulgado no Instagram do lablã (@lablaufsm). Após 20 anos de formação continuada surgiu a necessidade de um espaço para buscar integrar e compartilhar saberes entre os participantes e a Universidade, e assim, surge o projeto Ateliê de Tecelagem, em 2020.
O projeto Ateliê de Tecelagem foi contemplado em 2023 com o edital 034/2023 – Edital – Fomento de ações de Extensão da UFSM no território do Distrito Criativo Centro-Gare, o que proporcionou parceria com o curso de Desenho Industrial. “Juntamente com as artesãs que frequentam o Ateliê e as parcerias institucionais, nós estamos trazendo a arte para a lã e desenvolvendo um artesanato identitário para o Município de Santa Maria e isso é uma inovação. É muito lindo ver o processo de criação acontecendo, onde a feltragem molhada cria a tela e agulha pinta os prédios históricos da cidade”, afirma Ana Gabriela.
A iniciativa teve início junto com a zootecnista Simone de David Antônio, que explica que o projeto foi desenvolvido com o intuito de levar a extensão à sociedade. “É muito gratificante o trabalho de passar para os outros o que a gente já conhece”, comenta Simone.
Hoje, quem dá continuidade ao projeto é a zootecnista Alzira Gabriela Pause. Ela conta que veio da região norte, local onde não se encontra a criação de ovinos e de lã tão facilmente como aqui, então se interessou pela proposta. “Como é um produto muito característico do Rio Grande do Sul, queremos fazer as novas gerações o conhecerem e valorizarem, para não cair em desuso”, relata.
O projeto foi contemplado no edital do Território Imembuy, iniciativa da Pró-reitoria de Extensão (PRE) e da UFSM, que busca o desenvolvimento da região central do Rio Grande do Sul.
Alguns benefícios da lã
A lã é um produto retirado da ovelha com a tosquia, que normalmente acontece durante a primavera. Além de deixar os animais mais confortáveis para o verão, a tosquia não deve causar efeitos negativos na ovelha. “Quando trabalhamos com a lã, também nos envolvemos com o bem estar do animal”, conta Ana Gabriela.
Ela também explica que apesar de ser um produto de variados tipos e que oferece diversos benefícios durante seu uso, a lã é um isolante térmico que pode ajudar a manter o calor corporal durante o frio. Além disso, é isolante acústico.
A sustentabilidade faz parte dos benefícios da lã. Um produto natural, renovável e biodegradável, como a lã, fortalece os ideais de ajuda ao meio ambiente.
“O coração na ponta dos dedos”
Marlene Lovato tem o costume de criar desde cedo. Quando criança, não tinha brinquedos, então inventava. “Eu pegava folhas de bananeira, que eram grandes, e cortava como se fosse um grande tecido, depois bordava com flores”, relembra.
Recentemente aposentada, Marlene conheceu o projeto quando era professora de Processamento de Frutas e Hortaliças e de Panificação no Colégio Politécnico. “Eu fazia muitas dinâmicas com meus alunos, trabalhava a arte na panificação, fazia exposições em que as obras eram comestíveis”, conta.
Quando estava chegando perto de se aposentar, Marlene decidiu iniciar o curso de tecelagem. Agora, a tecelagem é a arte que ajuda a professora a se expressar de forma natural. “É algo que sai da minha alma, passa por minhas mãos e sai na agulha. É o coração na ponta dos dedos”.
O sentimento de Marlene é parecido com o de outras participantes. “A gente escuta das pessoas que aquele espaço é de cura, de troca, as pessoas se sentem bem. Começamos a ver que aquilo é uma terapia também”, comenta a professora Ana Gabriela que também utiliza o Ateliê como ambiente de tratamento da sua saúde. As participantes são unidas pela lã.
Como participar
Todas as terças- feiras, à tarde, o Ateliê está aberto e recebe pessoas para participar dos cursos. O Laboratório de Lã está localizado na sala 21 do departamento de Zootecnia, próximo ao Colégio Politécnico. Nos últimos encontros o grupo também tem desenvolvido peças sobre a arquitetura de Santa Maria que serão expostas ao público futuramente.
Sobre o Território Imembuy
O Território é uma iniciativa da Pró-reitoria de Extensão (PRE) e da UFSM, que busca o desenvolvimento da região central do Rio Grande do Sul a partir das iniciativas exitosas da UFSM na certificação da Quarta Colônia e de Caçapava como Geoparques Mundiais da UNESCO. Foram contemplados, ao todo, 54 projetos voltados ao incentivo de novas pesquisas científicas no campo da educação, a expansão econômica e a geração de emprego e renda. Vale destacar que o Território Imembuy abarca 37 municípios e mais de 700 mil habitantes. Mais informações sobre podem ser conferidas aqui.
Texto e fotografias: Jessica P. Mocellin, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Mariana Henriques