Há milhões de anos, o lugar conhecido por Sítio da Alemoa ou Sanga da Alemoa, localizada nas proximidades do Trevo do Castelinho, na saída para Itaara, foi habitado por animais que viveram antes dos dinossauros. Com a finalidade de sensibilizar a comunidade sobre a importância de preservar o local, que tem relevância para a paleontologia mundial, o professor Átila da Rosa, do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria, desenvolve um projeto de extensão desde 2023.
Este importante sítio fossilífero tem recebido iniciativas de preservação desde a década de 1960. Rico em fósseis e com uma história que remonta a descobertas significativas desde o início do século XX, o Monumento Natural da Alemoa se encontra sob proteção e em processo de valorização para fins educacionais e turísticos, de acordo com a Portaria nº 18/SMA, de 23 de dezembro de 2020, que instituiu o espaço como um ambiente especialmente protegido.
Riqueza paleontológica do sítio
De acordo com o professor Átila da Rosa, pelo menos nove espécies diferentes de fósseis foram identificadas, resultado de centenas de coletas no Monumento Natural da Alemoa. Entre as espécies encontradas estão cinodontes, rincossauros, pseudosúquios, herrerasaurídeos, lagerpetídeos, silessaurídeos e sauropodomorfos.
Os cinodontes são vertebrados relacionados aos répteis que deram origem aos mamíferos, enquanto os rincossauros são répteis herbívoros com crânios triangulares e bicos ósseos. Os pseudosúquios, geralmente carnívoros, são ancestrais dos dinossauros, pterossauros, crocodilos e tartarugas. Já os herrerasaurídeos são dinossauros primitivos, possíveis antecessores dos terópodes, incluindo o famoso Tyrannosaurus rex. Os lagerpetídeos e silessaurídeos são considerados dinossauromorfos basais, associados, respectivamente, aos pterossauros e dinossauros ornitísquios. Por fim, os sauropodomorfos englobam os saurópodes, dinossauros quadrúpedes e herbívoros que, em suas formas basais, apresentavam hábitos e posturas diferentes.
A luta pela preservação
Na década de 1960, a construção de um estádio de futebol na área foi interrompida graças à intervenção do então reitor da UFSM, professor José Mariano da Rocha. Posteriormente, em 1980, a criação da “Comissão Pró-Sítio da Alemoa” resultou na doação de 1,4 hectare para pesquisa paleontológica, em troca da aprovação de um loteamento na região. Ao longo dos anos, diversas escavações revelaram fósseis valiosos, como o dinossauro Staurikosaurus pricei, e a área foi oficialmente tombada em resposta a uma Ação Civil Pública em 2000.
Em 2022, a partir da Portaria nº 18/SMA, a área foi transformada em uma unidade de conservação (UC) de proteção integral na modalidade monumento natural. O local foi , denominado “Monumento Natural Paleontológico Sanga da Alemoa – MONAlemoa”. Esse novo status legal reforça a importância do local para a educação e o turismo.
O passado
O professor Átila destaca a relevância do Scaphonyx fischeri para o Museu Gama d’Eça, ao mencionar que “o rincossauro Scaphonyx fischeri foi escolhido como representante da seção de paleontologia após a doação de um esqueleto quase completo coletado por Atílio Munari”, além de um crânio completo que foi encontrado pelo padre Daniel Cargnin. Ambos foram paleontólogos amadores que contribuíram significativamente para o conhecimento da paleontologia em Santa Maria. As escavações continuam a revelar uma diversidade de vida antiga, incluindo as espécies já mencionadas, como os cinodontes e os rincossauros. Esses répteis da era Mesozóica têm evidências que datam do período Triássico.
Segundo o pesquisador da UFSM, sabe-se disso por dois tipos de datação: a relativa e a absoluta. A datação relativa está, baseada no conjunto de fósseis e em sua comparação com bacias sedimentares de outros lugares do mundo, e nesse caso a importante presença de rincossauros, que tiveram uma grande ascensão apenas na idade do Carniano (entre 237 e 227 milhões de anos atrás, no Triássico). Já a datação absoluta, quando amostras de rocha pertencentes aos blocos de onde foram extraídos o sauropodomorfo “Saturnalia tupiniquim” foram processadas em laboratório do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, para recuperação de cristais de zircão, um mineral que contém quantidades necessárias de urânio para a datação alcançada de 233 milhões de anos. Assim, as duas informações corroboram a ideia de que se trata deste intervalo específico de tempo.
Perspectiva para o turismo
Questionado sobre as estratégias de turismo do sítio, o pesquisador menciona os projetos significativos em desenvolvimento para impulsionar o turismo na região. “Existe um projeto de construção de dois espaços voltados à educação e turismo no sítio, um museu e um centro de recepção de visitantes, conectados por passarelas aos locais de escavação”, conta.
Átila enfatiza que as descobertas realizadas na Alemoa são vastas e impactantes. Desde os vestígios orgânicos encontrados em 1902, que levaram à identificação do primeiro réptil triássico da América do Sul, o Scaphonyx fischeri, até as coletas de fósseis por expedições internacionais, a área se consolidou como um importante laboratório natural. Além de Staurikosaurus pricei, os pesquisadores também identificaram novas espécies, como Saturnalia tupiniquim e o cinodonte Alemoatherium huebneri.
Preservação e educação
O Monumento Natural da Alemoa está sob a gestão da prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, e temi uma área de escavação que representa uma ravina na borda norte do Cerro da Alemoa. Entretanto, todos os 20 hectares preservados apresentam a mesma rocha abaixo do nível atual do solo. O professor Átila lembra que, na década de 1960, toda essa região não tinha a vegetação que vemos hoje, caracterizava-se como um grande afloramento – exposição de rocha – a céu aberto, onde se podiam reconhecer ao menos oito locais de escavação. A maioria dos afloramentos foi soterrada pelo crescimento urbano e pela expansão de árvores exóticas, como Pinus sp – originário do hemisfério Norte – e Eucalyptus sp – originário da Austrália.
O sítio, portanto, se torna um verdadeiro laboratório natural. Além de fomentar o turismo da região, também abriga pesquisadores que estão empenhados em descobrir, a cada dia, espécies milenares, uma vez que a área é um testemunho de formas de vida que existiram há milhões de anos.
Texto: João Pedro Sousa, acadêmico de jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Arte: Daniel Michelon De Carli
Fotos: Divulgação
Edição: Maurício Dias