Em momentos de catástrofes climáticas, a comunicação desempenha um papel essencial para a disseminação de informações confiáveis, que instruem a população e colaboram para mitigar os impactos da tragédia. Uma comunicação responsável também tem o potencial de colaborar de forma educativa para evitar novos desastres e conscientizar a comunidade. Esses são alguns dos objetivos do projeto “Comunicação de Proximidade: memória, resiliência e adaptação social a riscos climáticos e catástrofes naturais na Quarta Colônia”, desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM. Confira nossa entrevista com a coordenadora da iniciativa, Aline Roes Dalmolin:
1- Como o projeto nasceu e como ele visa impactar a sociedade?
O projeto nasceu da vontade de impactar a Quarta Colônia. Foi uma conversa inicial minha com a professora Laura Storch, na qual ela manifestou essa sensação de impotência que a gente sentia. Trabalhamos durante o período das enchentes dentro do SOS Comunidades Quarta Colônia, com a distribuição de donativos, recebimento de pilhas, ações que eram de caráter emergencial, assistencial, e aí nós percebemos que poderíamos ter uma contribuição maior, para além daquele momento. Percebemos que poderíamos contribuir de uma forma mais efetiva a partir do nosso ponto de vista, da comunicação, porque muitos dos problemas que foram enfrentados eram uma questão comunicacional.
Pensamos que precisávamos trabalhar com alguns direcionamentos que permitissem a manutenção da comunicação básica em momentos de crise. Muitas pessoas ficaram ilhadas em casa e tiveram dificuldades extremas devido à falta de uma comunicação rápida que permitisse que saíssem desses espaços. Eu sou moradora da Quarta Colônia, sou de Silveira Martins, e foi uma vivência muito próxima, minha família teve o estabelecimento comercial alagado. Essa vivência nos permitiu repensar esse processo e nos colocar como partícipes de uma forma muito mais intensa, além de pensar em como a Universidade pode ajudar, uma vez que temos a UFSM também lá em Silveira Martins. Esse compromisso social com toda a comunidade, com certeza é um diferencial do projeto, que se estrutura em três eixos:
Temos o Eixo 1, que visa trabalhar com a malha de comunicação, através desse engajamento entre os vários atores que participam do processo comunicacional, são pessoas que levam informação no dia a dia, em grupos de WhatsApp, informações de primeira necessidade. Buscamos o fortalecimento dessa malha, que é muito importante não apenas em casos de tragédias climáticas. Estamos iniciando o mapeamento e levantamento dessas fontes e desses veículos.
O objetivo do Eixo 2 são os sistemas de alerta. Para que, caso uma nova tragédia aconteça, as pessoas fiquem sabendo de forma rápida e tenham como reagir, ou seja, que estejam preparadas para ter uma resposta segura.
O Eixo 3 visa o trabalho nas escolas, a educomunicação, para conscientização sobre mudanças climáticas e questões relacionadas à perspectiva comunicacional e à desinformação ambiental.
Como participar de projetos de extensão influenciou a tua carreira?
A extensão fez parte da minha trajetória desde a graduação, quando participei de várias ações de extensão e desenvolvi esse gosto de atuar com a comunidade. Isso se intensificou na docência, eu já tenho 10 anos de UFSM e, logo que eu entrei como professora na instituição, eu me engajei no projeto chamado Universo da Leitura, um projeto do curso de Produção Editorial que envolvia um engajamento mais forte dos alunos na divulgação da leitura, na produção de um programa de televisão, mas era uma atividade não tão engajada com a comunidade. Sempre foi uma vontade minha colocar em prática essa atuação mais direta. Passei por várias atividades em escolas, que foram muito interessantes também. Nos últimos anos, me dediquei mais à pesquisa e à docência. Atuei no projeto Geoparque Quarta Colônia através de algumas ações, mas também mais relacionadas ao ensino, com a disciplina de Produção Audiovisual. Também atuei junto à Pró-Reitoria de Extensão em algumas ações, mas a vontade de desenvolver novos projetos sempre esteve ali. O momento da catástrofe climática no Rio Grande do Sul nos sacudiu e fez emergir de novo essa busca por trabalhar de forma mais ativa, juntar essa experiência dos projetos de extensão anteriores e continuar trabalhando.
Acho que a extensão tem muito disso, ela mexe diretamente com a vontade de ter uma atuação transformadora. Esse desafio é o que nos move, nos motiva, como seres políticos e sociais. A extensão faz com que aquilo que a gente trabalha na sala de aula chegue lá na outra ponta e transforme a vida das pessoas.
Qual é a importância de um edital como o Proext-PG para estimular a extensão na pós-graduação? Que impactos os projetos contemplados pelo edital podem causar?
É extremamente importante, tanto esse enfoque na extensão quanto esse enquadramento dentro da pós-graduação. Durante muito tempo, a extensão da pós-graduação foi renegada ao segundo plano, de uma forma geral, a própria política de pós-graduação no Brasil não olhava para a extensão da forma que ela merece. Nos últimos anos, a gente vê um movimento oposto, observamos um estímulo para os professores, porque os produtos de extensão também contam dentro das nossas avaliações da Capes. Isso nos trouxe uma maior necessidade de trabalhar com esse eixo e também um maior reconhecimento por parte dos órgãos governamentais.
Iniciativas como o Além do Arco nos dão a possibilidade de trabalhar a extensão de uma forma mais intensiva dentro da pós-graduação, sem esquecer a graduação, o que também vai possibilitar a troca de experiências entre os alunos de graduação e de pós-graduação. Outro ponto positivo da proposta é a ideia do interdisciplinar. Temos quatro PPGs parceiros dentro da proposta, tem o PPG da Geografia e o PPG de Patrimônio Cultural, que já tem uma trajetória muito forte de atuação dentro do território da Quarta Colônia e trazem para nós todas a expertise desse conhecimento. Também temos a participação do PPG Letras e do PPG Enfermagem, sendo esse último responsável pelos protocolos, um dos eixos que a gente pretende trabalhar dentro do projeto. O PPG da Enfermagem teve uma atuação muito forte depois da tragédia da Boate Kiss: ter essa experiência de reação às tragédias e como a sociedade pode estar melhor preparada para enfrentar tais situações é muito relevante.
Por que graduandos e pós-graduandos deveriam participar de projetos de extensão?
Para os alunos é muito importante essa participação. Estamos num processo de levantamento de alunos da Quarta Colônia que foram atingidos, tiveram familiares atingidos, buscamos envolver os alunos de Comunicação que têm essa visão de dentro da comunidade, o que soma esforços.
Para a graduação, como um todo, é uma experiência única, de estar dentro da comunidade. Tivemos o contexto pandêmico, com a Covid-19, que nos deixou dentro de nossas próprias casas e muitas vezes os alunos já vêm dessas vivências. Alunos da graduação hoje são alunos que viveram o ensino médio na pandemia e precisam, mais do que nunca, ter essas oportunidades de sair dos seus casulos. O período na universidade é um momento que nos deixa mais introspectivos e engajados com a própria experiência da vida universitária, que é plural e diversa, mas muitas vezes não nos dá a oportunidade de olhar para fora e entender a comunidade. É preciso construir essas pontes para que o aluno, depois de graduado, continue engajado com a comunidade, engajado com o lugar onde vive. É preciso que esses alunos saiam da universidade com compromisso social.
Em 2026, quando finalizam os meses previstos para a execução do projeto, que mudanças você imagina que terão ocorrido nas comunidades apontadas como os principais público-alvo do projeto?
O nosso principal objetivo é que a comunidade esteja mais preparada caso uma nova tragédia climática venha a acontecer. Temos essa grande preocupação de que a Universidade Federal de Santa Maria, devido a todo esse histórico de participação na Quarta Colônia, consiga mudar essa situação para que a população esteja mais preparada, ao menos em termos comunicacionais.
Então, através dos três eixos que comentei, imaginamos conseguir transformar. Se não transformar, esperamos que seja um embrião para uma transformação do território da Quarta Colônia.
Texto: Milene Eichelberger, acadêmica de jornalismo
Revisão: Luciane Treulieb, jornalista
Ilustração: Evandro Bertol, designer
Aluata Comunicação e Ciência