A Missão de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em Angola apresentou aos professores daquele país como utilizar a tecnologia assistiva com materiais do dia a dia. O grupo, integrado por quatro professoras do curso de Terapia Ocupacional e um técnico-administrativo, mostrou, em um curso, como confeccionar produtos que podem auxiliar na autonomia de pessoas com deficiência em sala de aula ou em casa. A missão, integrante do projeto Escola de Todos Frase 3, ocorreu na capital Luanda entre 16 de agosto e 2 de setembro.
O curso de tecnologia assistiva teve como participantes professores e profissionais das equipes multidisciplinares de apoio à educação inclusiva. Mais do que oferecer o curso, a missão brasileira tem como objetivo criar um Catálogo de Tecnologia Assistiva, que deve ser lançado no segundo semestre de 2025 . A inciativa da UFSM visa à construção de um material voltado à educação inclusiva de “Angola para Angola”.
Durante as duas semanas da missão, 21 recursos de tecnologia assistiva foram compartilhados no curso. Divididos em 8 grupos, os alunos confeccionaram 168 produtos, como lápis, provas, pratos e talheres adaptados. O material será apresentado no catálogo.
Integraram missão as professoras Amara Lúcia Holanda Battistel, Daniela Tonús, Lucielem Chequim e Tânia Fernandes, do curso de Terapia Ocupacional, e pelo técnico-administrativo Daniel De Carli, da Agência de Notícias. As professoras cuidaram da formação dos professores angolanos e Daniel registrou as produções dos estudantes em fotos, e é o responsável pelo design do catálogo. O curso foi proposta por um amplo grupo de professores de Terapia Ocupacional.
Escola de Todos
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, de 2008, tem como objetivo “assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”. O documento, elaborado pelo Ministério da Educação com a colaboração de universidades públicas, inclusive a UFSM, traz, entre outras, as seguintes perspectivas: a formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais, a acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação.
Alguns dos tópicos apresentados na Política de Educação Especial se tornaram visados pelo governo angolano, que busca a implementação da educação inclusiva. Por isso, a iniciativa, resultado de cooperação técnica internacional, surge a partir de demanda do governo de Angola. A Agência Brasileira de Cooperação (ABC/ Itamaraty) indicou a UFSM como executora, já que realizava projeto semelhante em Cabo Verde.
As ações nos dois países africanos – Angola e Cabo Verde – fazem parte da Escola de Todos Fase 3, projeto de pesquisa, vinculado aos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Tecnologias Educacionais em Rede, coordenado pela professora Ana Cláudia Pavão. O objetivo do projeto é compreender os impactos das políticas públicas brasileiras de educação especial para o desenvolvimento de um sistema de ensino inclusivo nas nações africanos estudadas.
Em 2022, a Escola de Todos Fase 3 realizou uma prospecção para avaliar como é a educação angolana e de que forma a UFSM poderia auxiliar. “Quando fomos lá, visitamos as escolas, escutamos o governo e os professores, que nos diziam o que era necessário. No final, fizemos uma tomada do que nós vimos, do que eles queriam e do que podíamos oferecer”, conta a professora Ana Cláudia Pavão.
Além do curso de Tecnologia Assistiva, a Escola de Todos promoveu, em 2024, cursos de Atendimento Educacional Especializado e Atenção às Diferenças em Angola, com, no total, 32 professores e 18 missões. Em Cabo Verde, cinco professores estiveram em duas missões.
Terapia Ocupacional e as tecnologias assistivas
A Terapia Ocupacional (TO) é uma graduação ofertada no campus sede da UFSM. A área busca promover a autonomia e a qualidade de vida de pessoas impossibilitadas de realizar as atividades do dia a dia. Os profissionais atendem desde recém-nascidos até idosos que possam ter dificuldades físicas, mentais ou emocionais.
A Tecnologia Assistiva (TA) é um instrumento para facilitar as atividades dos pacientes da TO. Elas podem promover maior independência e inclusão social. Cadeiras de rodas, aparelhos auditivos, aplicativos de leitura de tela e próteses são exemplos de TA’s.
Durante a viagem a Luanda, as Tecnologias Assistivas foram apresentadas como forma de levar a educação para todos, como forma de possibilitar a inclusão em um ambiente que seja preparado para receber pacientes da Terapia Ocupacional.
“De Angola para Angola”
Por mais que os tipos de deficiências dos estudantes sejam semelhantes em Angole e no Brasil, realidades diferentes exigem estratégias alternativas. É isso que as terapeutas ocupacionais integrantes da missão acreditam.
Os materiais para a preparação das tecnologias assistivas que estavam disponíveis em Luanda, eram diferentes dos encontrados no Brasil. “A ideia desse curso foi tentar proporcionar a educação pensando na realidade que eles vivenciam lá”, comenta a professora Lucielem Chequim. Um exemplo disso foi o “espaguete de piscina”, usado para ajudar na flutuação dentro da água. Esse material estava previsto para a produção de um recurso de tecnologia assistiva e não foi encontrado com facilidade no país africano durante a missão. Então, as professoras de TO optaram por usar esponjas, que poderiam ser encontradas com maior facilidade.
Além disso, o catálogo será redigido em português angolano. Por mais que a língua seja a mesma, a diversidade linguística faz com que alguns objetos tenham nomenclaturas diferentes. “Por exemplo, o que nós chamamos de estilete, lá chamam de ‘X Acto’. Nós vamos preservar a língua deles no catálogo”, comenta a professora Amara Lúcia Holanda.
A experiência na missão
Dias cansativos, tomados pelo trabalho, mas extremamente gratificantes. É assim que os participantes definem o tempo passado em Luanda. “Eles são extremamente acolhedores e educados. A gente é recebido com muito cuidado.”, conta a professora Tânia Fernandes Silva.
Angola passou por três períodos de guerra civil entre 1975 e 2002, interrompidos pela busca da paz. Atualmente o país da África Subsaariana é marcado por desigualdades sociais e problemas econômicos, e ocupa a posição de número 150 de uma lista de 189 no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
“O que acrescentou bastante para gente foi poder trabalhar com pessoas que valorizam muito o nosso trabalho e que tinham um entusiasmo muito grande em fazer tudo que a gente apresentava para eles”, compartilha Daniela Tonús.
“Acolhimento é a palavra”, define a professora Amara Holanda. O carinho e a gratidão que os alunos da missão compartilhavam com os professores e com Daniel De Carli foram marcantes. “Eu recebi um presente. É uma estátua chamada ‘O Pensador’, que é um símbolo internacional de Angola. Foi uma surpresa”, conta.
Texto: Jessica Mocellin, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Daniel Michelon De Carli
Edição: Maurício Dias