As enchentes no Rio Grande do Sul causaram irreparáveis perdas materiais e imateriais. O aumento do nível da água nos rios deixou marcas no biossistema do estado. A área rural de Agudo, município que integra a região da Quarta Colônia de Imigração Italiana, foi afetada pela crise e um dos meios pelos quais se busca restaurar os ecossistemas degradados é com a ação intitulada “Semeadura direta de espécies nativas no corredor ecológico da Quarta Colônia”. Realizada na propriedade de Denise Güse, a semeadura contou com 30 mil sementes de 26 espécies florestais (como cedro, aroeira vermelha, pitanga e araçá). Além disso, 130 mil sementes de adubo verde foram incluídas.
O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas (Neprade) da UFSM – junto com a Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), o Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa Florestal (Ceflor) e a companhia Taesa S.A. – desenvolveu o projeto, que busca dar suporte para o Pampa e a Mata Atlântica, ecossistemas presentes no Rio Grande do Sul.
A coordenadora do Neprade e professora do Departamento de Ciências Florestais da UFSM, Ana Paula Rovedder, comenta que, além de ser uma possibilidade de auxílio ao meio ambiente, a semeadura pode trazer benefícios econômicos. “É uma possibilidade que fomenta a produção de renda, principalmente aos agricultores familiares e povos tradicionais”, defende Rovedder.
Denise Güse, de 53 anos, mora em sua propriedade desde que nasceu e seguiu tocando a lavoura de arroz da família. Após participar do Simpósio sobre Recuperação de Solos Impactados pelas Chuvas, realizado pela UFSM, a agricultora recebeu a sugestão de acompanhamento e aceitou que sua propriedade, afetada pela enchente do Arroio Corupá, passasse por uma nova experiência de semeadura. “A partir de agora, é como se tudo recomeçasse”, afirma Denise, sobre a iniciativa e a busca pela recuperação dos solos.
A muvuca
O método de semeadura realizado na propriedade dela(localizada a cerca de 13,5 km da sede de Agudo) é conhecido como muvuca de sementes. O termo “muvuca” pode significar mistura ou confusão de coisas. “A muvuca é uma mistura de gente e de sementes. É isso que a gente quer misturar hoje: gente e semente”, comenta Ana Paula Rovedder. De acordo com ela, a semeadura da qual ela e sua equipe participaram em Agudo, no dia 22 de outubro, foi a primeira muvuca de sementes realizada no Rio Grande do Sul.
“Muvuca é uma palavra de origem indígena, e significa mistura. É essa mistura de sementes de várias espécies nativas e de adubação verde que proporciona a germinação simultânea de plantas com comportamentos diferentes, criando uma diversidade de ambientes que atrai animais, que acabam por trazer outras espécies vegetais.” Essa definição consta na dissertação de mestrado intitulada “Semeando a restauração ecológica: semeadura direta de espécies florestais na transição Pampa/Mata Atlântica”, defendida por Matheus Degrandi Gazzola, sob a orientação de Rovedder, no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola da UFSM. O autor do trabalho foi um dos participantes da muvuca em Agudo.
Com duração de aproximadamente uma hora e meia, a ação de semeadura foi realizada por estudantes e pós-graduandos em Engenharia Florestal, Agrobiologia e Engenharia Agrícola, agricultores da região, integrantes do Ibama e do Neprade. “Isso abre os horizontes e ajuda a ver como as coisas são de fato; colocar a mão na massa”, avalia a estudante Fernanda da Rosa, do curso de Engenharia Florestal.
Para a muvuca, as sementes foram separadas em cima de uma lona. Então, os participantes realizaram a mistura das espécies. Completa a mescla, as sementes foram separadas em baldes e espalhadas pelo solo, que já estava mexido. Por fim, os grãos foram misturados ao solo.
Áureo Losekann é produtor de cana-de-açúcar e arroz há quase 60 anos e teve sua propriedade danificada pelas enchentes. “O estrago foi grande, tem bastante areia e árvores na minha terra. Para movimentar isso tem custo, já gastei mais de R$ 10 mil”, comenta o agricultor. Se a muvuca tiver os resultados esperados, Losekann diz que também faria a semeadura em sua propriedade.
Texto e fotos: Jessica Mocellin, estudante de Jornalismo e bolsista na Agência de Notícias
Edição: Lucas Casali