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“Restaurar e conservar é a única resposta possível para reduzir o impacto de eventos climáticos futuros”

Proposta da UFSM visa desenvolver um espaço educativo para relembrar as tragédias que assolaram a Quarta Colônia e conscientizar as futuras gerações



Fomentar a preservação da memória e conscientizar sobre o impacto das mudanças climáticas é o objetivo do projeto MEMORAR QC- Memorial das Águas e Resiliência Climática da Quarta Colônia. A iniciativa foi uma das selecionadas pelo edital PROEXT-PG UFSM Além do Arco e partiu do Programa de Pós-Graduação em Geografia, com apoio dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, em Patrimônio Cultural e em Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo. 

Para compreender mais sobre o projeto, seus objetivos e como pretende impactar a comunidade, conversamos com o professor Adriano Severo Figueiró, coordenador da proposta. Confira a entrevista:

  1. Em que contexto o projeto MEMORAR QC foi desenvolvido?

Sabemos que não estamos vivendo um momento qualquer na história da humanidade. A aceleração do processo industrial pós segunda guerra não apenas acelerou a velocidade de produção e consumo de recursos no planeta, como estabeleceu uma nova ordem de significados e de valores para a forma como nos relacionamos com a natureza. Temos popularmente chamado de Antropoceno este momento tão controverso e de transformações bruscas na dinâmica da sociedade e nas dinâmicas da natureza. Uma das principais consequências do Antropoceno tem sido a mudança nos ritmos climáticos, com acentuação de eventos extremos como secas, inundações, anticiclones, etc., o que amplia exponencialmente a vulnerabilidade das comunidades, especialmente aquelas com baixa capacidade econômica e menor capacidade de resposta, além de sobrecarregar toda a estrutura de saúde, logística e infraestrutura do Estado.

  1. Como o projeto visa impactar a sociedade? 

O Rio Grande do Sul tem sido palco desse novo cenário de incertezas climáticas, e esse processo tende a se aprofundar nas próximas décadas. Isso exige da comunidade científica uma resposta forte, e que seja capaz de ultrapassar a mera indicação tecnológica de reconstrução. É preciso preparar a comunidade para a construção de um processo de resiliência, capaz de mitigar os efeitos desses fenômenos que virão, ao mesmo tempo em que buscamos uma mudança na trajetória desenvolvimentista desse modelo que nos trouxe para essa condição.

Dar início à construção de um processo de resiliência climática na comunidade da Quarta Colônia é a principal contribuição do nosso projeto. Buscamos a compreensão dos processos e as causas dos eventos que assolaram o território em maio de 2024, ao mesmo tempo em que se desenvolve a capacidade de refletir sobre as transformações pelas quais tem passado esse território nas últimas décadas e como poderemos enfrentar, reduzir e/ou mitigar o impacto dos eventos que teremos nas décadas seguintes. Todo esse processo pedagógico de alfabetização ecológica da comunidade traz como estratégia principal a montagem de um Memorial das Águas e da Resiliência Climática – um espaço educativo onde as escolas e as pessoas poderão se conectar com a ciência de uma forma mais lúdica e interpretativa.

  1. Por que isso é importante? 

Os impactos da tragédia climática sobre o território da Quarta Colônia assumem, nesse momento, relevância no cenário do Rio Grande do Sul, por conta das centenas de deslizamentos, dezenas de casas destruídas, perdas de infraestruturas viárias e de uma quantidade incalculável de solo fértil e pessoas afetadas. Também por se tratar de um Geoparque Mundial da Unesco, o que o torna um território que demanda um ordenamento voltado para a construção de estruturas mais resilientes e sustentáveis, incluindo processos de governança mais eficientes e assertivos. Infelizmente, não foi o que se verificou, e isso representa um grande desafio em termos da reconstrução a partir de um novo patamar de pensamento. Nesse sentido, o projeto tem por finalidade a construção de um espaço educativo e de memória das tragédias climáticas que assolaram a Quarta Colônia nos séculos 20 e 21, com vistas a refletir sobre o ordenamento do território, fortalecer o capital social da comunidade e subsidiar a criação de um processo de resiliência climática que garanta um modelo de desenvolvimento territorial mais sustentável a partir desse marco histórico de maio de 2024.

  1. Como participar de projetos de extensão influenciou a tua carreira?

A atividade extensionista me acompanha desde o início da vida como docente na UFSM, em 1992. A minha grande angústia dentro da academia sempre foi perceber que uma fração muito pequena do conhecimento que produzimos acaba chegando nos espaços coletivos de organização da sociedade, como escolas, sindicatos, associações, prefeituras e empresas.  Não acho que a universidade exista apenas para resolver os problemas imediatos da sociedade, pois isso apenas reforçaria o aspecto tecnicista e instrumental do conhecimento, ao passo que o verdadeiro motivo de uma universidade está na capacidade de anunciarmos um novo mundo, de repensarmos nossa caminhada civilizatória. Portanto, fazer extensão, ou seja, usar o conhecimento produzido para estimular o movimento e fortalecer o capital social das comunidades, sempre foi algo que fez todo sentido com meu projeto de mundo e de sociedade.

  1. Qual é a importância de um edital como o PROEXT-PG UFSM Além do Arco para estimular a extensão na pós-graduação? 

Este é um começo, com grande vitalidade, de muitas expectativas, onde alunos de graduação e pós-graduação se somam aos docentes em busca de respostas reais (e não apenas teóricas) aos problemas enfrentados pelo território. Acho que a instituição universitária em geral ainda não está preparada para esse tipo de desafio, mas esse é um processo que necessariamente vai começar a forçar uma mudança na organização e no olhar interno dentro da instituição, e isso por si só, já é um tremendo sucesso.

  1. Por que graduandos e pós-graduandos deveriam participar de projetos de extensão? 

A atividade de extensão é a verdadeira fonte de validação do nosso conhecimento. Nossos experimentos, feitos em “condições controladas” de laboratório, ou operando apenas a partir da razão teórica, não são capazes muitas vezes de responder às necessidades concretas da sociedade, justamente porque nossos “algoritmos metodológicos” não costumam incorporar a complexidade dos processos reais que ocorrem quotidianamente na vida das comunidades. Todavia, quando vamos para a atividade extensionista, não há como eliminarmos os “ruídos” da complexidade, pois eles se colocam em nossa frente a cada passo e muitas vezes atropelam nossas teorias com muita facilidade. O trabalho extensionista é como, mal comparando, o desafio de se trabalhar em um pronto socorro, pois, por mais especialista que seja o médico, nunca se sabe que tipo de problema pode entrar por uma porta e, muitas vezes, diferentes problemas se entrecruzam na origem da urgência que se apresenta. Nesse cenário, a capacidade de compreensão sistêmica é muito mais resolutiva do que a hiperespecialização, e esse é o panorama da extensão, pois os extensionistas dialogam tanto com técnicos de prefeitura, ou professores de escolas, até agricultores com baixo nível de escolaridade ou crianças em processo de alfabetização. É preciso construir espaços de mediação, reinterpretar, conectar diferentes dimensões do humano e do conhecimento, para gerar uma comunicação que seja eficiente e eficaz em termos de construção de sinergias 

  1. Em 2026, quando finalizam os meses previstos para a execução do projeto, que mudanças você imagina que terão ocorrido nas comunidades apontadas como os principais público-alvo do projeto?

 Estamos iniciando um processo lento e longo de transformação de consciências na comunidade, para que consigam compreender que restaurar e conservar é a única resposta possível para reduzir o impacto de eventos futuros. Esperamos chegar em 2026 com a comunidade da Quarta Colônia discutindo ativamente os seus problemas e sendo capazes de protagonizar algumas pequenas ações que podem se tornar gigantescas ao longo do tempo, como a recuperação de matas ciliares, a conservação de nascentes, a realocação de estruturas e atividades em áreas de risco, etc. A principal contribuição do projeto não é a mudança do cenário, mas nas consciências que começarão a pensar os cenários do futuro.

Texto: Milene Eichelberger, acadêmica de jornalismo

Revisão: Luciane Treulieb, jornalista

Ilustração: Evandro Bertol, designer 

Aluata Comunicação e Ciência

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