A escultura é uma arte tridimensional. Sua forma pode permitir que espectadores a circundem, a toquem e se aproximem da obra. A Universidade Federal de Santa Maria é repleta de obras de artes produzidas por artistas diversos, acadêmicos, egressos, técnicos e professores. Algumas, com o passar dos anos, exigem processo de restauro para preservar o que um dia foi criado. A escultura Paternidade é uma delas.
Produzida pela artista visual Ciza Dias, Paternidade está ao lado da Turma do Ique, o Centro de Atendimento à Criança e Adolescente com Câncer, no campus sede da UFSM. Finalizada em 2014, a escultura ainda não havia passado por reparos e restauro. A partir da iniciativa da autora, juntamente com sua amiga, Rosangela Passos e o professor José Francisco Goulart, docente aposentado de Artes Visuais na UFSM, a obra começou a ser restaurada.
O processo teve início no dia 18 de junho e foi finalizado em 6 de setembro. Duas semanas após a restauração, a estátua estava danificada.
A inspiração: fotografia de Régis
Em 2013, Ciza conta que estava conversando com um amigo, Régis Heinenn, e teve a ideia de realizar a escultura. Usando uma foto de Régis como referência, a artista moldou um pai que segurava um filho em seus braços. “Mas o pai não olhava para a criança, como está agora. Ele tinha um olhar distante, alheio, parecia que o bebê estava solto e que iria cair”. A autora lembra como o professor José Francisco a indicou que aquilo poderia ser mudado com correções de estrutura e, assim ela fez. A escultura, que foi produzida para um trabalho do curso de Artes Visuais, demorou um semestre para ser completa.
A criação: “escultura é a arte do abraço”
O material utilizado para a modelagem da obra foi a argila que, assim como outros, tem suas especificidades e dificuldades para a produção. Durante vinte dias, Ciza Dias moldou a figura de Paternidade. Então, iniciou-se o processo de secagem.
De acordo com o professor José Francisco, as pontas tendem a secar mais rápido e se separam do resto da obra, levando a rachaduras. Além disso, a gravidade faz com que a água da argila se concentre nas regiões inferiores, o que pode tornar o resultado mais demorado e com a estética indesejada. Por isso, corta-se a escultura em partes e realiza-se uma secagem muito lenta. Com o uso de um plástico que cubra os pedaços. Assim, a água pode evaporar aos poucos e por igual.
Após a secagem natural, os fragmentos vão para o forno de queima com a temperatura entre 800 a 950 graus celsius. Quando retirados do forno, os pedaços podem começar a ser montados. “Para montar, você não pode só colar. Aí entra a questão da técnica pura, que cada um vai desenvolver. Essa parte é mais de construção mesmo, é furadeira, é ferro. As peças têm que ser unidas com fortidão”, explica o professor.
Ao final da montagem, iniciam-se os acabamentos finais. O jogo de sombra e luz pode ser feito com o contraste de cores entre a terracota e o cimento, utilizado para juntar a obra. Para finalizar, um selador uniformiza o trabalho.
O processo de realização da escultura exige trabalho coletivo. “A escultura é a arte do abraço. Tem que abraçar com mais pessoas, porque sozinho é muito difícil”, finaliza o professor.
O significado: “afago que não oprime”
A arte é subjetiva. É isso que Ciza, Rosângela e José Francisco contam. Por isso, buscam não agregar um significado à obra, mas querem que cada um a entenda de acordo com suas vivências. “Quero chamar atenção para a importância de um pai na vida de uma criança, para que ela se torne um adulto mais forte, consciente e seguro de si”, descreve Ciza.
O local escolhido para colocar a escultura teve relação com o que ela passa: o carinho. A Turma do Ique, Centro de Atendimento à Criança e Adolescente com Câncer, atende pacientes que foram diagnosticados pelo Hospital Universitário de Santa Maria e promove eventos de apoio às crianças e seus familiares.
“As pessoas sempre perguntam se é homem ou mulher, pai ou mãe. Isso, para nós, nunca foi significativo. O grande gancho que existe aqui é o carinho, cuidado. Porque ele (bebê) está sendo segurado, mas não no sentido de não deixar sair, tem abertura. É um afago que não oprime, todos nós queremos um afago que não oprima. Que afague, mas que dê chances para o voo, para a liberdade. Para cuidar não precisa ser pai e mãe biológico, é ser muito mais do que isso”, descreve José Francisco Goulart.
O restauro: “cada trabalho é um trabalho”
A restauração de obras de arte devem ser cuidadosas e manter o trabalho original do artista, segundo o professor. Por isso, a presença de Ciza durante o processo foi indispensável. Rosangela Passos, amiga de Ciza no decorrer da formação na universidade, que também participou da recuperação, conta que viu a obra ser produzida e sempre se interessou no restauro dela, “porque para mim é um aprendizado, eu sempre fui muito individualista e a escultura não se faz sozinho.”
A limpeza inicia o restauro. Com equipamentos específicos e delicadeza, as sujidades e poluições grudadas na escultura são excluídas. Durante esse processo, os restauradores prestam atenção em rachaduras e locais que necessitam de possíveis reparos. Então, sana-se infiltrações e repara-se as rachaduras com materiais que sejam compatíveis com a escultura.
Goulart comenta, também, sobre a importância de fazer uma escultura segura. “Temos que sempre prever que alguém vai se escorar no trabalho, que vai sentar, uma criança pode subir e se machucar. Então a escultura deve estar sempre estruturada, tem que estar forte para que não haja acidente”, conclui o professor. Mesmo que não sejam interativas, a maioria das esculturas expostas na UFSM não contém proteção, podendo ser tocadas e danificadas.
A preservação: “parece que as pessoas não se importam”
Após duas semanas que Paternidade havia sido restaurada, parte dela foi quebrada novamente. Desta vez, causas naturais ou a ação do tempo não tiveram relação com a danificação. Uma pessoa, desconhecida, tinha causado o acidente. “O pessoal que trabalha no Ique disse que sentaram na obra e se escoraram para trás”, relata Ciza. Uma das mãos do bebê se separou do resto da escultura.
“Fico muito triste, parece que as pessoas não se importam com o que quero passar com a obra. Fiquei chocada”, desabafa Ciza Dias. As obras de arte públicas espalhadas pela UFSM são patrimônio cultural. A danificação das artes pode significar violação do patrimônio social e do direito moral dos autores.
O futuro: incentivo à preservação
A preservação do patrimônio artístico da UFSM é uma preocupação constante e cada vez mais presente na Instituição. Vera Lúcia Portinho Vianna, coordenadora de Arte e Cultura da UFSM, setor vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e engajado na proteção, preservação e recuperação de obras na Universidade, acredita que o melhor meio de prevenir ações de violação é com a educação e conscientização. “Uma obra de arte deve ser admirada, desfrutada, mas também deve ser cuidada e preservada por todos.”
Projetos de preservação das obras de arte da UFSM estão em andamento. Segundo a coordenadora, a criação do Acervo Artístico tem essa finalidade e visa preservar as obras de arte na Universidade. São murais, esculturas, pinturas, entre outras peças. A revitalização do Mural do Teatro Caixa Preta é uma das ações de preservação incentivadas pela Coordenadoria.
O próximo restauro para a obra está previsto para daqui a três anos. A parte quebrada de Paternidade será consertada o quanto antes pelos artistas que realizaram o restauro.
Texto e fotos: Jessica Mocellin, acadêmica de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias
Edição: Mariana Henriques, jornalista