Reencontro com a ancestralidade. Recuperação da cultura de rua. Ligação entre a UFSM e a comunidade de Santa Maria. Essas são as propostas dos projetos idealizados pelo docente do curso de Licenciatura em Dança, Jesse da Cruz. “Mojubá: Danças Populares Brasileiras” e “Mojubá na Comunidade” são projetos de extensão que fazem parte do Programa de Cultura Popular Brasileira da UFSM e têm o objetivo de perpetuar essa cultura.
O projeto Mojubá: Danças Populares Brasileiras, desenvolvido desde 2023, tem dois focos: o primeiro é a formação de um grupo artístico, formado pelo professor e alunos de dança que tiverem interesse, com intuito de apresentar espetáculos; e o outro é a realização de aulas para a comunidade interna e externa da UFSM. As aulas, ministradas pelo professor Jesse, acontecem no auditório do Complexo Didático e Artístico, no Centro de Educação Física e Desportos (CEFD), todas as terças-feiras, com duas turmas, sendo uma para adultos, a partir de 16 anos, às 17h30min, e uma turma infantojuvenil, dos 8 aos 16 anos, às 19h. A cada mês o grupo estuda uma modalidade de dança diferente; neste mês o que está sendo estudado é o maracatu. Para participar, basta ir até o auditório nas terças-feiras.
“Eu acho que esse projeto aqui dentro está servindo para formar multiplicadores culturais. Aquela galera que junta cinco em um carro, divide a gasolina, vem aqui e bebe numa fonte que está sendo disponibilizada, volta e aplica isso de volta”, comenta Jesse.
Já o Mojubá na Comunidade acontece em três bairros diferentes de Santa Maria. No bairro João Goulart, no Ilé Àṣẹ Iyá Omin Orun, acontecem as oficinas de danças brasileiras e dança de rua. Já na Escola Municipal São Carlos, localizada no bairro Urlândia, são disponibilizadas oficinas de dança de salão. O terceiro local em que acontecem as aulas fica em Camobi, na Escola Santa Helena, onde ocorrem oficinas de hip hop e fotografia. Em cada oficina, dois bolsistas ministram as aulas. Os encontros são abertos para a comunidade, então para participar só é necessário ir até o local.
O Mojubá na Comunidade foi implementado em junho deste ano através do edital do programa UFSM Solidária e Cidadã, após a calamidade que Santa Maria sofreu devido às enchentes em maio. Segundo o professor Jesse, as escolhas dos lugares foram uma forma de devolver para a comunidade toda a ajuda que ofereceram em um difícil período.
“A pergunta é: como é que a gente ocupa valorizando quem também cedeu aquele período terrível que nós vivenciamos? A nossa dança está ligada ao meio da saúde e essas pessoas que estavam ali cozinhando, deixando as suas casas, ficando noite e dia, buscando cesta básica para depois levar para uma aldeia, para um quilombo. Então como essas pessoas agora, também através do corpo, podem ser alimentadas, suavizadas, ter as suas memórias resgatadas?”, explica Jesse.
Além desses dois projetos, a partir desse mês o professor Jesse e seus alunos iniciam mais um projeto voltado para a comunidade. Chamada “Caravana Cultural”, a ação tem o intuito de ir a importantes lugares prestar uma homenagem através da dança para quem viveu ou vive ali. Neste mês o grupo vai até o território negro em Cachoeira do Sul. “Nós devemos ir lá respeitar a ancestralidade e agradecer a eles e elas que ocuparam ali”, relata Jesse.
O que é Mojubá?
Mojubá é uma saudação relacionada às religiões de matriz africana. Vinculada à ancestralidade Exu, Mojubá significa a abertura de caminhos. Jesse conta que quando estava na graduação sempre escreveu sobre Exu, mas naquele momento esse assunto não tinha visibilidade na academia.
O professor comenta que a escolha desse nome surgiu para que ele pudesse chegar a Santa Maria abrindo caminhos. Além disso, salienta a escolha do nome como uma forma de cruzar caminhos e trazer novas culturas. “Mojubá: Danças Populares Brasileiras é o movimento que leva as manifestações, os diálogos, as culturas para os outros. Tá no terreiro, tá na escola, tá na comunidade, tá na periferia, também agora vai estar na rua da UFSM”, relata.
Ancestralidade
Ao trazer Mojubá para dentro de uma universidade e depois retornar para a comunidade de Santa Maria, o professor Jesse e seus alunos se reaproximam de quem veio antes, recuperam a memória e mantêm viva as histórias de quem já se foi. “Olhar a ancestralidade é olhar o que veio antes, o que deixou de legado que a gente deve disseminar. Eu acho, também, que saudar a ancestralidade é importante porque você deixa viva a memória”, conta Jesse.
Além disso, o professor também conta que homenagear a ancestralidade é homenagear quem está em vida, como a mãe do terreiro Ilé Àṣẹ Iyá Omin Orun, Silvia de Ọṣun. “Saudar a ancestralidade é manter viva a memória daqueles que estão aqui. Por exemplo, hoje a Silvia é uma das líderes, então ela é uma ancestralidade. Quando você se coloca nesse lugar enquanto uma pessoa ancestral, que não deixa morrer a memória, você consegue olhar para o outro também de uma forma diferente, você consegue olhar para o outro só pela potência da pessoa”, explica o professor.
O que são danças populares?
Jesse conta que é comum que as pessoas não saibam o que são as danças populares. Para além do frevo, maracatu, samba, ou até mesmo a dança gaúcha, as danças populares são marcadas por terem uma origem de resistência.
“Cultura popular são manifestações de resistência e são 100% de rua, surge na rua, surge a partir da senzala, surge a partir da opressão. Como repaginação da história. Usavam o maracatu para apresentar a cabeça de escravizados, agora o maracatu é empossado porque a rainha, o rei são pretos e tira um sarro da ideia da coroa branca. As danças populares surgiram para ir contra o sistema de opressão social e estrutural”, explica Jesse.
Novas culturas em um lugar de tradição
A cultura gaúcha é um ponto forte em Santa Maria. Ao andar pelos bairros da cidade é comum encontrar Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). O professor Jesse destaca a dificuldade de olhar para novas culturas quando já se tem uma estabelecida.
“Eu sempre acho que Santa Maria tem medo da rua. Então acho que a cultura da rua precisa ser mais valorizada. A cultura da rua gera empreendedorismo, ‘afro empreendedorismo’, ‘indígena empreendedorismo’, gera a questão periférica. Então no maracatu tem costureira, tem tecido, tem maquiagem, tem cabelo, assim tem mercado. Então assim, só de mostrar a cultura, você gera um mercado também que alimenta essa cultura”, comenta Jesse.
Por isso o professor vê a importância desse diálogo entre universidade e comunidade. Dessa forma é possível dar uma nova possibilidade de enxergar as coisas para as pessoas que não têm acesso a diferentes culturas. “As gurias lá próximo ao shopping [Urlândia] foram assistir a um espetáculo nosso no teatro e agora elas não querem só dançar forró, agora elas querem dançar carimbó também. A dimensão que proporcionou delas se verem no palco. Mulheres que são de Santa Maria, senhoras até de 65 anos, que nunca foram ao teatro e agora foram assistir ao primeiro trabalho de danças populares brasileiras, então foi muito significativo para nós isso”, relata.
Texto: Gabriel Escobar, estudante de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: arquivo do projeto
Edição: Lucas Casali