“Quero que as pessoas possam escolher suas profissões por suas aptidões e não apenas porque querem fugir da matemática”, conta a professora do curso de Zootecnia do Campus Palmeira das Missões da UFSM Sabrina Zancan. A docente é criadora do Método Líquen – uma metodologia aplicada nas séries iniciais (1º ao 5º ano) do ensino fundamental. É nesta fase que os alunos estão aprendendo as quatro operações básicas da matemática – adição, subtração, divisão e multiplicação – e o objetivo do método é desenvolver o cálculo mental durante a formação primária das crianças.
O método, porém, vai muito além da facilidade em operações matemáticas, auxiliando também no desenvolvimento de habilidades de raciocínio que refletem em todas as áreas de conhecimento dos alunos. Por exemplo: o método favorece na resolução de problemas, uma vez que o estudante, ao analisar uma situação, percebe que existem diversas formas de resolver a mesma operação. Com isso, ele tem a possibilidade de escolher o caminho mais adequado, trabalhando de forma autodidata, com criatividade e raciocínio lógico.
Líquen nas escolas
Resultado da tese de doutorado da professora Sabrina, defendida em 2014, o objetivo é desenvolver a prática de cálculo mental para os praticantes do método, que podem ser alunos, professores ou comunidade em geral. A atuação do projeto ocorre nas escolas do Rio Grande do Sul e Paraná, através do projeto Ciências e Matemática (CieMa), da UFSM Campus Palmeira das Missões. Esta é uma parceria entre a UFSM, por meio da professora Sabrina Zancan, criadora do Método Líquen, e a Universidade Federal do Paraná (UFPR), por meio da professora Danilene Berticelli. Até agora, cerca de dois mil alunos já tiveram contato com o Líquen.
Para implementar o ensino nas escolas, é necessário iniciar pela turma do primeiro ano do ensino fundamental. As atividades são realizadas em uma folha A4, divididas em cinco níveis. Dessa forma, os professores aplicam as atividades com 15 minutos de duração, em todos os dias letivos. Mais tarde, o docente irá apontar os erros cometidos, e o próprio aluno corrige a atividade.
“A gente olha para a matemática como uma matéria do ensino médio, porém, ela só vai crescer e fazer sentido para os alunos se eles entenderem a aritmética básica que é aprendida nos anos iniciais. É por isso que olhamos para esse momento, o primeiro momento das crianças na escola, quando se aprende a matemática mais simples. Estamos começando”, complementa Sabrina.
Como é a metodologia
O método utiliza o conhecimento adquirido e fixado de forma gradual. Uma vez implementado na escola, o aluno terá contato com o Líquen até o final do quinto ano. Não é possível iniciar o método em outros períodos do ensino fundamental. A aplicação das tarefas do Método Líquen segue uma metodologia específica, com base em estudos da neurociência. As tarefas devem ser resolvidas pelos estudantes em sala de aula, individualmente, diariamente, preferencialmente no mesmo horário.
Estas atitudes dão continuidade ao estudo, constroem uma rotina, dão previsibilidade ao estudante e estimulam o autodidatismo. O momento de resolução é um momento de silêncio e de concentração, importantes para a construção de conhecimentos e potencialização da aprendizagem.
“Durante nossas pesquisas em neurociência percebemos que aprendemos por meio de tarefas curtas, diárias e de repetição. Porque precisamos de alguns dados que são memorizados, para a construção da aprendizagem. Além disso, as tarefas precisam ser fáceis, pois a criança precisa começar e terminar a atividade no mesmo dia. Dessa forma, lentamente construímos os conhecimentos necessários”, ressalta a professora Sabrina.
Mas como funcionam essas atividades na prática? Para um aluno somar 7+8 sem usar o tradicional método de contagem nos dedos das mãos, usando o cálculo mental, ele deveria pensar que 7+7+1=15 ou ainda, 8+8-1=15, 7+3+5=15. Dessa forma, o estudante aprende a pensar diversas formas de realizar a mesma tarefa, porém mais rápido.
Todas as tarefas são diferentes e têm grau de dificuldade gradativo. As atividades se repetem para promover a aprendizagem e a memorização dos conhecimentos necessários para o cálculo mental.
O Método Líquen tem seis níveis: nível básico (70 tarefas), primeiro nível (160 tarefas), segundo (160 tarefas), terceiro (160 tarefas), quarto (160 tarefas) e quinto nível (160 tarefas).
Por que o método Líquen?
“O nome faz referência aos líquens da natureza, resultado de um mutualismo entre um fungo e uma alga, em que a associação é benéfica para ambos. São organismos pioneiros. Eles degradam rochas e auxiliam na formação do solo, criando condições para que outros seres vivos cresçam no local. Eles formam uma base. Então, para que uma floresta cresça sobre uma rocha, ela precisa começar por um líquen”, conta a professora Sabrina.
Curso Calme Pró
Foi durante a pandemia, quando as escolas estavam atuando de forma remota, que as docentes perceberam uma demanda por parte dos professores que aplicavam o método dentro das salas de aula. Muitos também tinham dificuldade com matemática básica e com cálculo mental, e não conseguiam repassar os ensinamentos do método para os alunos.
Dessa forma, em 2020, foi criado o curso Calme Pró, de forma online e com duração de uma hora por semana, direcionado para professores do ensino fundamental. Em cada reunião, é disponibilizado o material didático do curso, composto por 120 tarefas (60 páginas A4), que devem ser impressas pelo participante e resolvidas diariamente ao longo da semana.
A professora Sabrina, conta que são realizadas no tamanho de folha A4, porque, segundo pesquisas, esse é o tamanho ideal para a quantidade de atividades que devem ser realizadas por dia.
Nas tarefas, são apresentados os conhecimentos básicos de cálculo mental, construídas as estratégias e apresentadas atividades práticas para potencializar o ensino de cálculo mental. Ao todo, 268 professores já realizaram o curso.
“Quando fomos trabalhar com professores, foi o momento que notamos que eles também não sabiam essas estratégias, e na verdade nem nós sabíamos tudo. Pensamos que precisávamos ensiná-los primeiro para que depois eles conseguissem potencializar ainda mais o ensino na sala de aula. Se ele possui o material e sabe fazer, consegue repassar aos alunos”, completa a professora Danilene.
O curso oferece uma prática intensiva em cálculo mental, assegurando uma aprendizagem significativa para os alunos. A carga horária total é de 55 horas, com certificação pela UFPR ou pela UFSM. Ao final de cada turma, as respostas são coletadas e analisadas para atualização do curso. As aulas são ministradas via plataforma Meet, de forma síncrona o material didático é disponibilizado semanalmente no formato PDF. No momento não estão abertas novas turmas, mas mais informações podem sem conferidas no site do projeto ou ainda pelo Instagram.
A professora de ensino fundamental I da Escola Nazaré, de Jesuítas, no Paraná, Diovanna Bortoletto, conta que conheceu o curso através da divulgação feita pela professora Danilene em suas redes sociais e viu uma oportunidade de qualificação de seu trabalho.
“Eu já era formada quando soube do curso, mas o desejo pela formação também no curso surgiu quando notei que eu não conseguia fazer cálculos mentais tão rápidos quanto meus pais faziam, mesmo que eu perguntasse como eles faziam, eu não entendia a estratégia utilizada. O curso foi ótimo para estimular minha memória de trabalho, para que eu conseguisse realizar com mais rapidez os cálculos. O mais interessante foi aprender na prática, assim como meus alunos fazem, e ao mesmo tempo entender a estratégia utilizada em cada maneira de se resolver um cálculo mentalmente”, relata.
Método Líquen na palma da mão
Além dos cursos para professores e das atividades realizadas com os alunos nas salas de aula, agora, o método também será um aplicativo de celular. O Método Líquen Digital será uma forma de abranger mais pessoas interessadas em cálculo mental. No aplicativo, que ainda está em fase de elaboração, as atividades para professores e alunos estarão juntas em uma só plataforma, consolidando os conhecimentos adquiridos durante os anos de pesquisas das docentes.
“A ideia é colocar todo o conhecimento que temos sobre cálculo mental, matemática e atividades no formato digital, para que qualquer pessoa possa ter acesso, mesmo sem possuir vínculo com escolas”, destaca Sabrina.
Texto: Tatiane da Silva Paumann, acadêmica de Jornalismo, voluntária da Agência de Notícias
Foto: redes sociais/divulgação
Edição: Lucas Casali e Ricardo Bonfanti, jornalistas