Crianças correndo, praticando alongamentos, realizando atividades físicas em grupos ou duplas, essa é a visão ao entrar na quadra esportiva da Escola Municipal Diácono João Luiz Pozzobon, em Santa Maria, nos dias em que o Projeto Atletismo Comunitário está lá. Desde 2020, a iniciativa conecta os jovens das escolas públicas de Santa Maria à UFSM. Atualmente, atende duas escolas, uma municipal e outra estadual, além de levar os estudantes para a Universidade uma vez ao mês.
O projeto, vinculado ao Núcleo de Implementação da Excelência Esportiva e Manutenção da Saúde (NIEEMS), atende, além da escola Diácono João Luiz Pozzobon, o Colégio Estadual Professora Edna May Cardoso, desde 2023. Liderado pelo professor e coordenador de Atletismo da UFSM, Luiz Fernando Cuozzo Lemos, o Atletismo Comunitário pratica o esporte com os alunos dos anos finais do ensino fundamental do Colégio Edna May Cardoso e com todas as turmas da escola Diácono João Luiz Pozzobon, duas vezes por semana.
Ainda, uma vez por mês esses alunos também têm a oportunidade de praticar as atividades na pista de atletismo da Universidade, o que possibilita um maior contato entre comunidade e UFSM, além dos estudantes poderem praticar em uma pista com padrão olímpico. O deslocamento é realizado com um ônibus, conquistado através de parcerias com diferentes entidades e empresas.
Além desses encontros, a coordenadora dos anos finais da escola Diácono João Luiz Pozzobon, Maitê Cezar da Silva, também proporciona a oportunidade de pelo menos 4 estudantes irem ao campus todos os sábados para treinar. “No sábado, como acontece o treino de atletismo da UFSM, eu procuro levar aqueles alunos que têm se destacado, levo com o meu carro. Então eu consigo levar quatro e todo sábado eu vou”, conta a coordenadora. De acordo com Maitê, a cada semana ela reveza quais estudantes levará.
O projeto abarca, dentro do que é possível adaptar para cada escola, todas as modalidades do atletismo, como os saltos, corridas e lançamentos. Ainda, além de possibilitar a prática esportiva para os estudantes, a iniciativa proporciona que os mais qualificados possam participar de competições e representar Santa Maria. “É um projeto que além de estar formando o cidadão, dando oportunidade, ensinando valores que estão atrelados ao esporte, porventura os que se dedicarem, entenderem que tem um talento esportivo, ou mesmo que não tenha talento, mas tenha uma dedicação bastante grande, podem ,através do esporte, buscar uma posição de ascensão social”, comenta Luiz.
O professor explica que para fazer essas parcerias não é necessário pensar em grandes estruturas. As escolas em que atuam no momento já têm uma boa quadra, além de bolas e outros equipamentos como cones. Para praticar os saltos, o projeto construiu, junto com a escola Diácono, uma caixa de areia. Luiz Fernando comenta que para os alunos que não possuem um tênis com condições para prática esportiva, muitas vezes eles conseguem através de doações. “Mesmo que nem sempre tenhamos as condições ideais de lazer e de esporte, isso faz com que eles se desenvolvam muito em movimentos naturais, como antigamente acontecia. Correr, saltar, pular, rolar: isso são capacidades físicas relacionadas ao atletismo”, comenta.
Tradição de família: surgimento do projeto
A ideia do projeto de Atletismo Comunitário surgiu em 2017, quando o professor Luiz Fernando entrou na Universidade. A proposta foi colocada em prática em 2019, em São Sepé, em parceria com a Prefeitura Municipal. Enquanto isso, em Santa Maria, aconteciam, todas as tardes, aulas na praça Praça Ademar Antônio Cantarelli, no bairro Camobi, em que participavam as escolas da região. Com a pandemia, foi preciso reduzir a atuação, que foi retomada em 2023, nas escolas Diácono e Edna.
No entanto, foi apenas em 2024 que o projeto tomou força e pode atender todas as turmas da escola Diácono. Neste ano, os alunos começaram a participar de competições e o Atletismo Comunitário conseguiu parcerias para que pudesse ganhar mais qualidade e oportunizar melhores condições de prática.
Luiz conta que o desejo de desenvolver projetos como esse vem de casa. “De certa forma, eu sou oriundo de projetos sociais. O primeiro projeto de canoagem de Santa Maria quem criou foi meu pai, lá em 1997, que era o ‘Canoagem na Escola’. Ele acabou mudando a vida de muita gente. Eu mesmo me envolvi muito no projeto e com a comunidade que participava. Com isso me desenvolvi como atleta”, relata o professor.
Quando se tornou docente, Luiz viu a possibilidade de movimentar e fazer algo a mais pela comunidade de Santa Maria. “A vontade, já vem de casa, de formação enquanto pessoa. Acho que essa é uma das maiores missões que nós temos na Universidade: estar mudando vidas e oferecendo mais para comunidade, para as pessoas”, comenta.
UFSM e comunidade
A parceria com as escolas aconteceu através da busca ativa do professor Luiz. A coordenadora Maite desde início se mostrou muito receptiva e ansiosa. “Projetos assim são muito importantes, especialmente em uma região que tem um alto índice de vulnerabilidade. Então eu acredito que o esporte salva. Independente do esporte, enquanto eles estão praticando, eles estão dentro da escola, não estão se envolvendo com outras coisas que eles têm acesso no dia a dia deles. Quanto mais a gente conseguir trazer esses alunos para dentro da escola, envolver eles com outras atividades, acho que só traz benefícios”, declara Maitê.
A coordenadora acrescenta que quanto mais projetos como esse forem desenvolvidos na escola, melhor é. Para ela, é fundamental a parceria entre escolas e Universidade. “Projetos de esporte ou até de outras áreas também, como cultura, que a Universidade nos oferece, são sempre muito bem-vindos, a gente aceita tudo!”, comenta.
Essa relação entre Universidade e comunidade é fundamental para Luiz Fernando, que entende que a Instituição deve ter essa inter-relação como essência. “A universidade só existe para comunidade, é nosso papel enquanto funcionário público poder estar realmente ultrapassando os muros da Universidade, chegando na comunidade. Trazendo a universidade para dentro da escola e também levando a realidade, através dos nossos alunos daqui [das escolas], para dentro da universidade, para discutir e construir ciência”, observa Luiz.
Recepção dos alunos
Da coordenadora da escola, passando pelo coordenador do projeto até a aluna de graduação que atua em conjunto, a visão a respeito dos estudantes é a mesma: evolução. De acordo com a graduanda em Educação Física, Laíne Franco, turmas que no início possuíam apenas 10 alunos, hoje contam com 20 ou 30 jovens.
Luiz e Maitê concordaram na mudança de comportamento dos alunos. Maitê observa que agora, em sala de aula, os estudantes se preocupam em concluir as atividades para poderem participar do projeto. Além disso, a coordenadora afirma que durante a semana é questionada diversas vezes pelos jovens para saber quando o atletismo comunitário irá até eles, ou até mesmo quando poderão ir até a UFSM novamente.
O professor Luiz afirma que os próprios alunos fazem a auto cobrança para se desenvolverem em sala de aula, assim o atletismo comunitário pode continuar. “Eles são cobrados e relembrados pela comunidade escolar, por mim e por todos, que a participação em sala de aula é fundamental para a manutenção do projeto. É um processo que está em construção, é dinâmico, mas sem sombra de dúvidas ao longo desse tempo, eles vão cada vez mais se monitorarem para poder estar se controlando e assim evitando evasão escolar, a indisciplina”, relata.
As alunas do 6° ano comprovam os relatos dos professores. Para Laisa Quevedo e Vivan Rodrigues o projeto é muito legal pois faz com que elas se exercitem mais, e até consideram seguir com os esportes no futuro. “Melhoraram as pernas! Dá para correr mais, ficou melhor com os exercícios que eles dão”, comenta Vivian.
A estudante de 12 anos, Andriele Martins, ressalta a importância do atletismo comunitário na escola, para além da atividade física. “Além de dar mais empenho nas pernas, fez muita diferença, porque antes não tínhamos nada. Agora todos melhoraram o desempenho também na sala de aula”, conta a estudante.
A paixão pelo projeto também chegou nos estudantes de graduação. “Eu não tenho palavras para mensurar como é gratificante participar desse projeto”, conta Laíne. Com lágrimas nos olhos, a estudante de educação física conta como esse projeto pode mudar vidas. Ela ressalta que antes alunos que não faziam questão de participar, agora se dedicam e ficam ansiosos para poder participar de competições.
Para o futuro, o desejo de Luiz é atender ainda mais escolas e, se fosse possível, gostaria que o projeto abraçasse todas as escolas públicas de Santa Maria. “A gente tem um início, quem sabe um dia vamos chegar, temos que analisar as necessidades e potenciais”, relata.
No próximo dia 4 de maio, o Atletismo Comunitário levará 4 jovens das escolas para uma competição interestadual que acontecerá em Porto Alegre.
Você pode ter contato com o projeto através do Instagram do NIEEMS.
Texto e fotos: Gabriel Escobar, estudante de jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Mariana Henriques, jornalista