Os casos de dengue no Brasil já chegam em quase dois milhões de registros e as mortes confirmadas passaram de 600, conforme dados do mês de março de 2024. No Rio Grande do Sul foi decretado estado de emergência devido à doença. Apenas neste ano o estado já contabiliza mais de 34 óbitos. Até o dia 20 de março, Santa Maria já tinha registrado mais de 180 casos confirmados de dengue.
Para auxiliar no combate à doença, pesquisas sobre o tema têm se multiplicado, em diferentes frentes de atuação. Uma delas conta com o auxílio da Inteligência Artificial (IA) para prever, com cerca de um mês de antecedência, um novo surto de dengue. O estudo é do mestrando no Pós-Graduação em Ciência da Computação, Pedro Henrique Pinto Leão, que desenvolve uma pesquisa que possibilita identificar em qual região de Santa Maria irá ocorrer o próximo surto.
Para isso, o pesquisador utiliza dados locais anteriores relacionados a temperatura, chuvas e umidade, além dos registros das ocorrências de casos de dengue. Esses dados são disponibilizados pela Prefeitura de Santa Maria, além de serem retirados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Com essas informações, se torna possível antever com 30 dias de antecedência qual será a região da cidade que terá o próximo surto. Os dados da Prefeitura, sobre a ocorrência de dengue nos bairros de Santa Maria são primordiais, pois são eles que possibilitam maior precisão no resultado. Afinal, como destacado por Pedro, cada local é uma situação: “A situação em Camobi não será a mesma que no bairro Tancredo Neves”, explica.
Pedro comenta que a parceria com a Prefeitura deu acesso a dados dos últimos cinco anos. Essas informações serão cruzados com dados meteorológicos da época. “Nós conseguimos dados de dengue desde 2017. Vamos cruzar esses dados com os meteorológicos do município, separados por bairros”, ressalta. Dessa forma, é possível identificar por que determinada região possui um maior número de casos e, por consequência, evitar esse aumento.
A estimativa de previsão de 30 dias é o tempo necessário para que os agentes de saúde da cidade possam intervir. “Se eu passar de 30 dias já vira meio futurologia, chute. E se eu prever que amanhã vai ter um caso não adianta, porque a equipe deles trabalha com um calendário de ação que dura em torno de 3 meses”, explica o mestrando.
Avanços com a Inteligência Artificial
Estudos que identificam quais regiões são mais propícias para desenvolver o mosquito da dengue já existem antes mesmo da Inteligência Artificial. A diferença é que agora um trabalho que antes era feito manualmente e demandava uma grande equipe, pode ser feito apenas por um computador.
“Com a inteligência artificial a gente consegue fazer esses cruzamentos muito mais rápido, [a inteligência artificial] consegue fazer com que nós tenhamos um tempo hábil de ação. A gente poderia pegar cinco anos atrás, só que aí ficaria pronto daqui cinco anos, se a gente colocar ali no computador o computador já faz”, explica Pedro. De acordo com o mestrando, o uso da IA possibilita prever o que vai acontecer com base em resultados anteriores. A respeito da margem erro Pedro comenta: “ainda não foram definidas pois dependemos da análise de todos os dados e ver quais tem mais relevância para a previsão, como ainda temos dados por receber da Prefeitura, esses dados podem impactar bastante na variação”.
Para o professor orientador do estudo, Daniel Welfer, o uso de Inteligência Artificial nesse tipo de pesquisa é de extrema importância. “A predição de casos de dengue utilizando inteligência artificial é de extrema relevância para a saúde pública pois pode prever surtos de dengue com antecedência, auxiliando no combate à proliferação do mosquito Aedes aegypti em municípios ou bairros. Dessa forma, é possível melhorar as respostas dos sistemas de saúde locais através da implementação de medidas preventivas e gerenciando de forma otimizada os impactos da doença”, relata Daniel.
Resultado na mão
Pedro explica que a pesquisa vai ser qualificada esse ano e por isso os resultados ainda não são precisos. Até poucas semanas atrás, ele utilizava dados do município de Porto Alegre, pois ainda não tinha acesso aos dados específicos de Santa Maria, dessa forma, os resultados preliminares são baseados lá. “Porto Alegre tem um clima parecido e uma densidade também parecida, dadas as proporções. Nós temos bairros muito pouco densamente povoados e temos bairros muito densos. Então, estava dando em torno de 73%, 74% de acerto. A gente quer aumentar isso. Agora, trabalhando com os dados daqui, o que vier vai ser mais assertivo”, explica Pedro.
O mestrando explica que quanto mais específicos os dados forem para cada região melhor é. Por exemplo, a metodologia e estudos realizados no Rio de Janeiro não proporcionam a mesma eficácia, afinal o clima de lá é tropical o ano inteiro enquanto aqui encontra-se um clima subtropical. Além disso, Pedro identifica que resultados abaixo de 70% são achismos e não devem ser utilizados: “A gente busca trabalhar entre 70% e 90%”.
Daniel comenta sobre a importância desses estudos chegarem em outras cidades: “Há grande possibilidade de que esses estudos de predição de casos de dengue usando inteligência artificial se expandam para outras cidades. Trabalhos do estado da arte na literatura recente já demonstram isso. A ideia central é adaptar o modelo de IA que foi treinado para outras localidades permitindo assim melhorar a resposta dos sistemas de saúde”.
Futuramente, quando Pedro terminar o mestrado, objetiva entregar os resultados do estudo para os agentes de saúde de Santa Maria, de forma que possa contribuir para evitar novos surtos. Além disso, os resultados também podem auxiliar na conscientização da população no geral. “Temos poucos agentes de saúde, então se conseguirmos fazer com que eles trabalhem melhor e consigam eliminar mais focos, a situação vai melhorar para toda a comunidade”, finaliza o pesquisador.
Texto: Gabriel Escobar, estudante de jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Mariana Henriques, jornalista