Nesta quinta-feira (22), o paratleta Denilson Souza, de 46 anos, embarca rumo à cidade de Dhaka, capital de Bangladesh, para disputar o 3º Campeonato Mundial Militar de Tiro com Arco, que acontece entre este domingo (25) e a quinta-feira da semana que vem (29). Representante da UFSM, de Santa Maria e do Brasil, esta será a primeira vez que o arqueiro, que treina nas dependências do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD), marcará presença em uma
competição internacional.
Cabo reformado do Exército há duas décadas, o santa-mariense foi convocado em dezembro de 2023 e, seis dias por semana desde janeiro deste ano, se preparou para participar do campeonato que inicia neste fim de semana. No continente asiático, ele irá encontrar outros 124 competidores, sendo 15 conterrâneos brasileiros. Ao todo, apenas três pessoas com deficiência foram selecionadas para o torneio.
A relação de Souza com a UFSM existe desde 2009, quando ingressou na equipe de handebol em cadeira de rodas, projeto idealizado pelo Núcleo de Apoio e Estudos da Educação Física Adaptada (NAEEFA), grupo coordenado pela professora Luciana Palma. Em 2006, o paratleta caiu de um telhado e ficou paraplégico, conhecendo a existência de modalidades adaptadas poucos meses depois do acidente.
O santa-mariense chegou a ser convocado e a jogar pela Seleção Brasileira de Handebol em Cadeira de Rodas, mas, em função de o ginásio do CEFD ter precisado passar por reformas na época, ele precisou achar outras práticas. Com experiências no halterofilismo (levantamento de pesos), na corrida de rua e canoagem, todas vividas lado a lado com a Universidade, o principal objetivo do arqueiro é, além de participar de uma edição das Paralimpíadas, incentivar pessoas a alcançarem seus sonhos através do esporte.
Para entender melhor como foi a preparação de Souza para a disputa e sua relação com a atividade, a Agência de Notícias conversou com o paratleta sobre a modalidade, a rotina de treinamentos, o apoio da Universidade, os desafios e as expectativas para o campeonato. Confira o que ele disse:
O início de sua carreira no esporte adaptado foi a partir de uma iniciativa da UFSM. Como foi a transição entre as modalidades até chegar no tiro com arco?
Quando recebi o diagnóstico de que eu iria ficar em uma cadeira de rodas para o resto da vida, nem foi cogitado que eu poderia praticar alguma atividade. Eu iniciei com o handebol, mas passei a participar de outras modalidades com o intuito de incentivar as pessoas. O que eu senti depois que conheci e comecei a praticar se resume a uma palavra: liberdade. Hoje tem bastante gente, citando o público das pessoas com deficiência, praticando atividade física. A ideia sempre é incentivar. O tiro com arco foi a mesma coisa. Fiz um curso há sete anos e, a convite do Exército, participei de um camping militar em 2022, na cidade de Campinas, São Paulo. Eu gostei da modalidade e estou praticando até hoje. Tive bons resultados, fui campeão de campings e campeão brasileiro por duplas.
Como é a sua rotina de treinamento de tiro com alvo na UFSM?
Eu fiz uma parceria com o NAEEFA, coordenado pela professora Luciana Palma, com o objetivo de utilizar as dependências do CEFD seis dias por semana para os meus treinos. O esporte exige um espaço com distância de 70 metros, como também um grupo de assessoria para me auxiliar na questão do tiro com arco e da preparação física. Mas essa parceria com o NAEEFA é de longa data. Na hora que conversei com a professora, ela me apresentou as possibilidades e a minha rotina de treinos, que começou em janeiro deste ano.
De que forma a UFSM contribui para o seu desenvolvimento como atleta de tiro com arco?
Além de dar todo esse apoio de estrutura para que eu possa fazer os treinos do tiro com arco, o Grupo de Laboratórios Associados (GLASS) entrou na proposta com as avaliações físicas. A equipe tem todo um cuidado e dedicação. A relação vai muito além do uso do espaço, o apoio é fundamental para um atleta de alto rendimento.
Qual é a importância dessa competição internacional para você e como se sente sendo convocado para representar o Brasil?
Desses 17 anos completos que eu estou na cadeira de rodas, 15 são voltados para o esporte, sempre com o objetivo de representar o Brasil e participar de grandes competições nacionais e, também, internacionais. Isso tem um peso e uma importância significativa na minha vida. Eu sou muito grato por quem está ao redor, visto que a gente não faz nada sozinho. Agora, eu tenho que fazer a minha parte através dos treinos, com dedicação, para atingir bons resultados e dar continuidade nessa caminhada para que mais pessoas possam chegar e experimentar o tiro com arco. Quem sabe, no futuro, nós teremos mais representantes em competições nacionais e internacionais na modalidade a partir da minha participação neste Mundial.
Quais os maiores desafios que você enfrentou ao longo de sua jornada na modalidade do tiro ao alvo?
Os grandes desafios sempre têm relação com a questão financeira e é assim para todos os atletas nas diferentes categorias e modalidades. Felizmente, o Ministério da Defesa, junto com outros responsáveis que cuidam dessa parte, estão trabalhando para eu poder participar do Mundial. Adquirir o equipamento também tem um custo significativo também, além do deslocamento. Esse é um desafio à parte da acessibilidade que, perto da questão financeira, a gente tira de letra.
Como você lida com a pressão de competir em um ambiente internacional, especialmente considerando que é sua primeira vez em uma disputa desse nível?
Em um campeonato, seja nacional ou internacional, é necessário aprender a lidar com a pressão da melhor forma possível. Antes mesmo de entrar na linha de tiro, você tem que dominar o emocional, porque senão você já começa a jogar contra si mesmo. Nessa minha longa história no paradesporto, eu aprendi a cuidar do psicológico, que é o primeiro fator. O segundo fator é que, sabendo que eu fiz um bom trabalho, treinei, busquei evoluir, me dediquei, ralei, fiz o meu máximo e não posso ir mais além das minhas capacidades, com certeza eu vou fazer o meu melhor. A gente quer ser campeão mas, caso não aconteça, eu não vou ficar preocupado. Mas sim vou continuar sempre buscando o meu melhor e sendo grato às pessoas que me auxiliam e que sabem o quanto eu faço o meu melhor, honrando o trabalho delas.
Quais são seus objetivos pessoais e metas para esta competição? E para o futuro?
Em Bangladesh, espero me divertir muito, mas no bom sentido. Sabendo que tenho um trabalho, quero ir lá e levar a sério para que eu possa chegar e aproveitar da melhor forma possível e ganhar essa experiência que, com certeza, será fantástica. O meu objetivo principal é servir de exemplo para que outras pessoas possam se inspirar e sair de uma zona de depressão e de outras coisas que vivemos no nosso dia a dia. Quero conhecer outras pessoas que estão nessa trilha para resgatá-las através do esporte, tanto as que praticam por lazer quanto as que estão no alto rendimento. Caso a minha participação faça com que outras pessoas representem o Brasil e Santa Maria nas mais diversas modalidades, eu ficarei feliz da vida. Já será uma conquista. Também tenho minhas metas pessoais, como participar das Paralimpíadas com a Seleção Brasileira, que estou buscando. Enquanto eu tiver fôlego e saúde, estarei correndo atrás disso.
Visão do treinador
As atividades do campeonato funcionam da seguinte forma: na primeira fase, os competidores terão 120 minutos para realizar 60 tiros com arco. As etapas seguintes serão definidas a partir dos resultados iniciais. Entre os 125 atletas, estarão representantes da Aeronáutica, Exército e Marinha. De acordo com João Vitor Zibell, mestrando em Educação Física na UFSM e treinador de Souza, os treinamentos do paratleta foram pensados e idealizados a partir de uma visão “multifatorial”, uma vez que há muitas situações acontecendo simultaneamente nas provas.
“O tiro com arco é um esporte bem complexo, visto que tem a ver com resistência, estabilidade, pressão e concentração. Quanto mais a prova vai acontecendo, mais ele vai se desgastando nesses quesitos. A preparação dele vai desde a parte física, em relação à força, até o que diz respeito ao foco, juntamente com a respiração. Trabalhamos com alguns exercícios no sentido de repetição”, explicou o técnico.
O estudante conta que, durante o processo, foram feitos vídeos para que fosse possível enxergar minuciosamente os erros durante os treinos, desde a pegada da flecha até o caimento do arco ao final. “O ponto mais forte dele é a mentalidade. Ele é muito resiliente. Mas a parte física também é bem positiva. Os treinos que a gente fez foram muito pesados e ele conseguiu fazer todas as atividades. O que também mostra a força psicológica dele, que chegava até o final e pedia mais uma repetição. Isso vai deixando o atleta calejado para as dificuldades”, revelou Zibell.
Para o treinador, a dedicação de Souza – definida como a principal arma do paratleta pelo mestrando, inclusive – somada à estrutura da UFSM fazem com que o santa-mariense chegue perto do nível técnico de atletas da elite mundial. As maiores dificuldades que serão encontradas no torneio devem ser relacionadas ao clima, que é muito quente em Bangladesh quando comparado com o Brasil, e ao sono.
Ao todo, são nove horas de diferença entre a cidade-sede da competição e Santa Maria. “Ele tem que estar 100%. Com certeza, com o tempo que ele tem, não vai ser a preparação ideal. Mas vai ser necessário ter toda essa função de conseguir se adaptar logo. Como ele tem essa mentalidade, acredito que vá ser um fator que ele vai conseguir resolver. Por mais que seja uma dificuldade para ele, será para outros também”, declarou o estudante.
Para o treinador, as expectativas são muito boas, acreditando inclusive na possibilidade de Souza ficar entre os cinco melhores da disputa. “Quando a gente fala da elite de um esporte, principalmente do tiro com arco, não é quem acerta mais que vence, mas sim quem erra menos. Na prova, ele vai ter que estar beirando a perfeição, porque com certeza os outros estarão beirando a perfeição. A gente fica na torcida, com certeza ele tem esse potencial”, afirmou Zibell.
Texto: Pedro Pereira, estudante de jornalismo e estagiário da Agência de Notícias
Fotos: Ana Alícia Flores, estudante de desenho industrial e bolsista da Agência de Notícias
Infográficos: Daniel Michelon De Carli
Edição: Ricardo Bonfanti