Graduada em Pedagogia pela UFSM, Carine Daiana Binsfeld saiu de Horizontina, município de cerca de 18 mil habitantes, a quase 300 quilômetros de distância de Santa Maria, em 2013. Vinda de uma cidade pequena, ela conta que chegou na União Universitária, sua primeira moradia, com nove malas e um microondas. Depois de conseguir o Benefício Socioeconômico, se instalou na Casa do Estudante do Centro, onde morou com colegas de curso e permaneceu durante toda a graduação. A moradia estudantil foi o que possibilitou sua permanência: “sou muito grata pela assistência estudantil. Falo com orgulho que se não fosse por ela, eu não teria tido condições de realizar meu primeiro sonho, que foi ser professora. Aprendi muito na CEU I e fiz amizades que tenho comigo até hoje”.
Com um extenso currículo de participações em bolsas e projetos durante a graduação, Carine destaca o envolvimento no Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID), pois teve um papel fundamental em sua formação para além da graduação. No PIBID, integra desde 2014 o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática (GEPEMAT), o qual embasou sua tese de doutorado. Ao longo dos anos, participou do grupo em diversas funções, mas hoje, Carine atua como professora regente no Clube de Matemática, projeto que o grupo desenvolve desde 2009.
Desde o início do curso, Carine sabia que a caminhada não terminaria na colação de grau: “quando concluí a Pedagogia, eu sabia que minha jornada estava apenas começando”. Formada em Pedagogia em 2017, no mesmo ano foi aprovada no processo de seleção para o Mestrado em Educação, durante o qual foi bolsista CAPES e participou do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), em diversas funções, que, segundo ela, foram constituindo seu caráter como pesquisadora. Ao concluir o mestrado, iniciou sua carreira como professora na rede privada e deu mais um passo na carreira acadêmica ao ingressar no doutorado.
Para Carine, a UFSM é muito mais do que apenas uma instituição de ensino: “A UFSM foi e é meu lar, há uma década. Eu conheci outros estados e outro país pelas oportunidades que tive aqui. Fiz amigos para a vida toda. Fui de comissões colegiadas e vivi intensamente tudo que pude nessa instituição pública, gratuita e de qualidade. Eu sou UFSM e sou o que sou por conta da minha vivência aqui”. Os ensinamentos adquiridos ao longo de uma década na Universidade ajudaram a formar não apenas a formar seu caráter como pesquisadora, mas também como pessoa e a alcançar objetivos: “a UFSM me permitiu sonhar e realizar e eu tenho orgulho disso”.
Para além das salas de aula, Carine adora ler livros de romance, assistir a séries, ouvir músicas, ir ao cinema e jogar online pelo computador. Além disso, gosta de passar tempo com seu cachorro, Duque, que lhe concedeu o título de ‘mãe de pet’. Por fim, ela se descreve como uma pessoa sonhadora, “que está sempre se renovando e buscando conhecer outras coisas, me desafiando em outros contextos também”.
Com sua tese intitulada “O papel do coletivo na formação de professores e futuros professores: contribuições de um grupo de estudos e pesquisas”, defendida em 2022 (sob a orientação da professora Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes), Carine recebeu a indicação à primeira edição do Prêmio Tese UFSM 2023, representando o Centro de Educação (CE).
A Agência de Notícias, vinculada à Coordenadoria de Comunicação Social da UFSM, conversou com Jones para saber um pouco mais sobre a pesquisa:
Você poderia explicar a sua tese e como surgiu o tema de pesquisa?
A pesquisa investigou o papel da participação em um grupo/coletivo na formação de professores, analisando os conceitos de personalidade, afeto-cognição e coletivo. Os resultados destacaram a relevância da participação em grupos com características de um coletivo quando as ações realizadas são orientadas pela unidade afetivo-cognitiva, resultando no desenvolvimento de uma personalidade coletivista. Isso sublinha a influência significativa que o grupo/coletivo exerce na formação de professores e, por consequência, na qualidade da sociedade que vivenciamos. A pesquisa enfatiza que a maneira como formamos nossos educadores está intrinsecamente ligada à construção da sociedade, o que expressa sua importância para a comunidade.
Na introdução de minha tese, eu inicio com uma frase que diz o seguinte: “Nada de grande de se faz no mundo sem uma grande paixão”. Essa frase expressa o quanto o tema me afeta e inquieta. Eu sou uma professora apaixonada pela docência. Minhas primeiras experiências foram com o tema de formação de professores, e eu me descobri nesse objeto de investigação. Desde a graduação eu participo do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática, e minha participação nele me fez a professora que ensina matemática que sou hoje.
Em um evento da área da educação no ano de 2019, que teve como tema o afeto-cognição na atividade pedagógica, eu tive o insight que eu precisava: aliar a formação de professores com o coletivo, tentando entender como a unidade afetivo-cognitiva num grupo de pesquisa se entrelaça. Quando eu entendi o quanto a relação afetivo-cognitiva é essencial para que o grupo auxilie no desenvolvimento docente, pude identificar que a personalidade dos futuros professores e professores que participam de grupos de pesquisas como um coletivo de formação se transformam pela relação afetiva e cognitiva com os demais sujeitos do grupo, e, com o tema que coletivamente estudam. E é por isso que eu digo que essa foi e é a minha paixão!
Como foi o processo de produção e qual a maior dificuldade enfrentada durante o processo?
O doutorado exige uma imersão. Escrever uma tese, inédita, é um desafio para o pesquisador. Na educação temos o desafio de que a maioria das nossas pesquisas lida com seres humanos e vida. Às vezes é difícil analisar aquilo que não vemos de forma aparente, que está no subjetivo. Produzir uma tese que traz como fundamento teórico conceitos da psicologia demandam estudos intensos e muita dedicação. O processo, embora às vezes complexo e cheio de desafios, foi lindo. O doutorado foi um sonho ousado que tive, e eu fiz dele a minha maior perspectiva. Como? Porque teve paixão pelo que eu estava pesquisando, meu tema também me constitui como pessoa, professora e pesquisadora… tinha sentido e alegria!
Eu iniciei o doutorado no segundo semestre de 2019 com muitos planos. Em 2020, iniciamos um contexto pandêmico. Ele foi difícil para todos. A pesquisa teve que se reinventar. Para os pesquisadores, de um modo geral, muitas mudanças tiveram que ser feitas na apreensão dos dados. Como eu pesquisaria a formação docente olhando para a personalidade num contexto pandêmico e de forma online? Nós queríamos sobreviver e ver bem e felizes aqueles que amamos.
Apesar da distância, os encontros online que fizemos enquanto grupo de pesquisa/coletivo, nos fortaleceram. Estávamos muitas vezes sozinhos em casa, sem ir ao mercado e sem ver ninguém. Aquelas quartas-feiras que nos encontrávamos foram se tornando os dias mais esperados para compartilhar a vida e os estudos. Acho que a parte mais bonita do meu trabalho foi esse fortalecimento de grupo e essa possibilidade de aliar teoria e vida. Intensificou-se a necessidade da presença, do outro, do café partilhado, da vida na 3380. Foram dois anos difíceis, mas acredito que só foi possível porque existia a nossa coletividade para além da academia, existia o sentimento de pertencimento e isso se tornou também, a minha e nossa força para persistir e continuar.
Conte alguma curiosidade ou história do processo de trabalho
Quando eu fiz a seleção para o doutorado eu havia pensado em uma proposta diferente de pesquisa, que em comum com a tese, tinha a formação de professores. A pesquisa é um pouco desse movimento de se constituir pesquisador e se encontrar com um tema que te inquieta ao mesmo tempo que te move na busca. Queria aconselhar que está tudo bem mudar de tema, desde que faça sentido para o pesquisador.
Ao que você credita a escolha da sua tese para representar o centro?
Penso que a escolha de minha tese para representar o programa é porque nela estudei a relação entre coletivo, afeto-cognição e personalidade na formação de professores. Trouxe elementos que potencializam o quanto a participação em grupos de pesquisas enriquece a prática pedagógica e impacta a vida de sujeitos que se unem por motivos individuais, mas que se tornam coletivos. Talvez ela mostre, de certa forma, aquilo que buscamos como pesquisadores em educação: formar uma sociedade mais justa, humana e afetiva. É um relato de muitas vozes!
O que concorrer ao prêmio representa para você e qual a importância que você vê em premiações como essa?
É difícil colocar em um ou duas palavras a sensação que participar do prêmio tese 2023 representa não só na minha vida, mas na vida de todos envolvidos com a pesquisa em Educação, porque eu acredito representar não só minha tese, mas todos os pesquisadores em Educação, pois a tese fala de coletivo, fala de uma escola que queremos e defendemos. Fiquei muito feliz e lisonjeada com a indicação de minha tese ao prêmio. É uma oportunidade gratificante representar o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Mais ainda, é uma alegria representar professores-pesquisadores em Educação que acreditam na formação coletiva, que buscam por uma transformação humana que potencialize o desenvolvimento dos sujeitos através da educação.
A UFSM me permitiu sonhar e realizar e eu tenho orgulho disso. Uma década de muito aprendizado. Nos projetos, pesquisas e vivências que pude ter ao longo de minha trajetória, nas diferentes frentes que me envolvi e com as pessoas que compartilhei conhecimentos e a vida. Espaços, vivências e pessoas que deixaram muitas marcas. Minha tese representa um pouco disso. Minha paixão pela formação de professores e minha luta por uma escola mais humana e justa representa uma paixão e luta que é também coletiva. Meu sentimento é gratidão.
Penso que esse processo do concurso, mais que o prêmio em si, é importante para dar visibilidade para a produção científica de cada centro de uma universidade. O processo de pesquisar é complexo e de imersão, é importante dar visibilidade para a pesquisa científica depois de muitos ataques que foram feitos às universidades nos últimos anos. Para os sujeitos, é poder mostrar que nossas pesquisas fazem sentido e tem a premissa de mudar a sociedade e a qualidade de vida para melhor. Sentiremos e viveremos numa sociedade transformada pela pesquisa, justamente porque a pesquisa permitiu sua transformação. Avante, pesquisadores!
Texto: Júlia Weber, estudante de Jornalismo e estagiária da Agência de Notícias
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista
Arte gráfica: Daniel Michelon De Carli, designer