A 1ª Semana Preta organizada pelo Diretório Acadêmico Nei D’Ogum (Dano), dos cursos de Artes Cênicas e Teatro da UFSM, teve início na terça-feira (12) e encerrou no domingo (16). Através de espetáculos, palestras, apresentações entre outras atividades, a Semana Preta buscou dar visibilidade para a importância de pessoas negras dentro da Universidade e, principalmente, na área artística.
O evento aconteceu majoritariamente no prédio 40, do CAL, e no Teatro Caixa Preta. A programação contou com a presença de artistas e acadêmicos de Porto Alegre e Viamão, além de trazer espetáculos produzidos pelos alunos do curso de Teatro da Universidade.
De acordo com Andrielle Razeira, estudante de Teatro e uma das organizadores da Semana, o evento vinha sendo planejado desde junho e teve como uma de suas inspirações Abdias do Nascimento, fundador do primeiro teatro negro do Rio Grande do Sul. No dia da abertura, Andrielle comentou sobre algumas questões que foram levantadas na organização dessas atividades. Uma delas foi: “é possível a gente esquecer que existem pessoas negras dentro da Universidade? Podemos concluir uma graduação esquecendo disso? É possível ir para faculdade e pensar que sou só uma aluna ou preciso sempre lembrar que sou uma aluna preta dentro da Universidade?”.
A conclusão que ela e outros estudantes chegaram foi que não é possível. De acordo com Andrielle, a sociedade lembra a estudantes negros todos os dias quem são e o que é esperado deles. Não podem apenas ser alunos, são lembrados diariamente de qual é sua posição para a sociedade, seja por colegas, professores ou por qualquer pessoa que não compartilhe de sua negritude.
“A gente queria retribuir essa lembrança, que não vem de um jeito amigável, não vem de um jeito muito legal, para que eles conheçam um pouco da nossa cultura, das coisas que a gente acredita. Outra coisa também é que a gente tem sempre a nossa ancestralidade conosco, quando a gente entra em cena, entra em qualquer local a gente carrega isso”, destaca Andrielle.
“Poetas Vivos” na UFSM
A abertura teve a presença do grupo de poesia de Porto Alegre chamado “Poetas Vivos”. A apresentação ocorreu na terça (12), às 19h. Além dela a organização também passou como seria a programação da 1° Semana Preta.
O grupo de poetas estava representado por Felipe Deds, Mariana Marmontel, MC DaNova e com o convidado e também poeta Maicon PNA. “Poetas Vivos” é conhecido por participar de projetos, visitar escolas, universidades, se apresentar em eventos, centros culturais e espaços públicos, com o intuito de levar cultura, arte, música e afroempreendedorismo. Os poetas também acreditam que, além de resistência, a autoestima, saúde mental e afeto são fatores essenciais na luta contra o racismo.
“Nossa proposta é levar um pouco de arte, um pouco de poesia pra dentro dos espaços que a gente acredita que são importantes de ter uma plantação de uma semente que vai além da poesia, mas que também transmita a educação, que transmita um pouquinho de educação antirracista. Viemos trazendo isso pra dentro de escolas, universidades, através de oficinas, palestras, intervenções. E sair de Porto Alegre e vir pra Santa Maria fazer isso é muito especial pra nós. A gente acredita muito na potência que a arte tem. A gente precisa de um pouco de carinho também, de autocuidado, afeto, e a gente vem trazendo isso através das nossas poesias da melhor forma”, comenta DaNova.
“Poetas Vivos” surgiu de rodas de slam, espaços em que pessoas podem declamar poesias que falem sobre resistência, preconceitos e dificuldades de quem faz parte de alguma minoria. O grupo teve inicio em 2018 e desde então se apresenta pela capital e outras cidades, passando até mesmo pelo TEDx.
Corpos negros no palco
Durante a semana ocorreram oficinas e palestras que abordaram assuntos do corpo negro em cima dos palcos. Em uma das atividades ministrada pelo mestrando em Artes Cênicas da UFRGS Diordinis Baierle, houve a discussão do que seria o teatro negro e para quem ele seria.
Diordinis entende que a dramaturgia negra expressa as experiências de corpos negros, e que essas nem sempre precisam ser representadas através de violências ou contadas apenas pelo viés do racismo. Ainda em sua fala Diordinis destacou a importância de o teatro negro ser composto por pessoas negras.
Sobre a 1° Semana Preta, Diordinis comentou: “A gente tem poucas pessoas (negras) aqui dentro da Universidade, então se a gente tem um lugar que possa reativar e resgatar isso, eu acho que é nesse lugar que é a importância desses eventos. Para a gente começar a conversar, a poder compartilhar vivências, compartilhar isso que é ‘escrevivências’, compartilhar uma forma que vá tomando força para que se aquilombar, digo ‘aquilombar’ no sentido de ficar juntos, a gente realmente está unido para pensar novas práticas, para pensar uma forma de ser menos racista nelas, uma forma de pensar novos autores, novas autoras”.
Além de palestras e discussões sobre teatro negro, também ocorreram espetáculos em que pessoas negras estavam no palco abordando assuntos sobre negritude, que não focassem apenas no racismo. Como no espetáculo “Ubumpuru Transversal: uma corpa marginal”, que ocorreu na sexta-feira (15), e falava também sobre transexualidade e suas vivências.
“Quem tem Orixá tem tudo”
O espetáculo “Esperando Zumbi”, dirigido por Andrielle Razeira, encerrou a 1ª Semana Preta. Marcada por muitas referências históricas e ancestralidade, a atividade mostrou ao público o potencial artístico e cultural que a UFSM tem. Andrielle conta que “Esperando Zumbi” se apresenta como uma crítica à forma como pessoas negras ainda são vistas pela sociedade, em um ato de reafirmação de espaço e direito. “Para que as pessoas não se esqueçam da gente e não se esqueçam que a gente não é só mais um aluno de Artes Cênicas. Nós somos alunos de Artes Cênicas negros, e é assim que a gente trabalha”, encerra a artista.
A estudante de Produção Editorial Isabel dos Santos destaca a importância do evento para a conscientização e valorização da cultura negra. “É interessante porque nós não estamos nem em novembro, o Mês da Consciência Negra. E isso é muito bom, porque é algo que precisa ser falado sempre”, disse a jovem.
Agora, os idealizadores se preparam para o Mês da Consciência Negra, com o intuito de continuar dando espaço a pessoas negras. Além disso, a expectativa é de que a Semana Preta se torne anual e conte cada vez mais com a participação do público.
Texto: Gabriel Escobar e Andreina Possan, estudantes de Jornalismo
Fotos: Gabriel Escobar
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista