Em abril deste ano, o projeto Comunidade de Fala, pertencente ao Programa de Extensão Espaço Nise da Silveira & Associação de Familiares, Amigos e Bipolares de Santa Maria (Afab), foi reconhecido pelo Laboratório de Inovação Latino-Americano de Práticas de Participação Social em Saúde como uma das 122 experiências nacionais e internacionais selecionadas para o Portal de Inovação do Sistema Único de Saúde (SUS). A seleção ocorreu por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Com a homologação, o projeto ganha mais visibilidade e passa a ser reconhecido como uma ação inovadora na área da saúde mental.
O Laboratório de Inovação tem por objetivo contribuir para a identificação e reconhecimento de experiências exitosas de políticas públicas e práticas que sejam capazes de aprimorar e desenvolver as condições e serviços de saúde. Nesse sentido, a partir desta seleção, os estudos e projetos passarão por intercâmbios, por meio de oficinas e trocas de experiências, para potencializar as ações a nível local, regional e até mesmo internacional. No dia 20 de junho, o laboratório realizou uma live com representantes das práticas em saúde mental, iniciando essa intercambialidade. Há também a previsão de um encontro presencial, em Brasília, para o segundo semestre de 2023.
Para a psiquiatra e coordenadora do projeto, Martha Noal, a homologação da Comunidade de Fala é uma realização de um trabalho que dura mais de 27 anos: “É um orgulho muito grande e uma ideia de realização profissional, pessoal e coletiva, porque tem muita gente por trás do Comunidade de Fala que a gente tá representando ali […] E eu tô orgulhosa porque a gente conseguiu levar a nossa contribuição da reforma psiquiátrica para a Opas”. A força dessa contribuição aparece, inclusive, no nome do programa: “Espaço Nise da Silveira”, que faz uma homenagem à psiquiatra Nise da Silveira, que revolucionou o tratamento psiquiátrico brasileiro e é considerada a pioneira da terapia ocupacional como ferramenta terapêutica no Brasil.
Projeto Comunidade de Fala
A Comunidade de Fala foi idealizada pelo ativista em saúde mental e jornalista Richard Weingarten, em 2015. O norte-americano passou dois meses no Brasil, se dividindo entre dois estados brasileiros, para treinar e auxiliar as equipes: em São Paulo, na Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Esquizofrênicos (Abre) e no Rio Grande do Sul, na UFSM, através do Espaço Nise da Silveira & Afab. Atualmente, o projeto também está presente no Rio de Janeiro e em Salvador, vinculado às universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Bahia (UFBA), respectivamente. Em Portugal, é aplicado em Porto.
Os participantes do projeto são pessoas que vivenciaram experiências a partir de algum sofrimento psíquico grave e que se encontram em fase de recuperação. Há um treinamento com os integrantes para que possam desenvolver narrativas que envolvam desde o seu adoecimento até atingirem a superação (recovery). Nesse sentido, estas pessoas deixam de possuir o status de usuários de serviços de saúde mental e passam a ser palestrantes e ativistas. Nos anos seguintes, desde sua implementação, a Comunidade de Fala se expandiu para outros lugares.
Espaço Nise da Silveira & Afab
Apesar de estarem sempre juntos, atualmente localizados no 5º andar do prédio da Antiga Reitoria, o Espaço Nise da Silveira e a Afab são programas diferentes. A Associação de Familiares, Amigos e Bipolares foi fundada em 1997, como um projeto de extensão da UFSM. Sua idealização surgiu a partir de uma conversa entre a psiquiatra Martha Noal e seu paciente Sérgio Walter. Sérgio a questionou sobre o porquê de não haver uma associação que reivindicasse e garantisse os direitos às pessoas com transtorno bipolar, assim como ele. De forma conjunta, Martha e Sérgio criaram a Afab, que funciona, até hoje, como uma instituição sem fins lucrativos que visa o acolhimento, a educação e a promoção em saúde. Oferece grupos terapêuticos, grupos de testemunhos e grupos de familiares, que têm por objetivo a psicoeducação, a troca de experiências e o suporte mútuo entre os participantes.
O Espaço Nise da Silveira foi criado em 2015, depois que Martha notou que a Afab deixou de ser suficiente para atender todas as demandas. O nome, em referência a familiares, amigos e bipolares, não era mais capaz de abranger todas as pessoas que chegavam. Nesse sentido, o espaço surge como uma forma de complementar as ações da Afab, no sentido de ampliar a capacitação e a articulação em saúde mental. Atualmente, configura-se como um programa de extensão, e abrange diversos subprojetos, junto da Afab:
• Grupos terapêuticos: visam o apoio mútuo e trocas de aprendizagens entre pessoas;
• Comunidade de Fala: visa a redução do estigma e preconceitos sociais;
• CineMental: exibe filmes ligados à temática da saúde mental com o objetivo de ampliar a reflexão e a visão de mundo dos participantes;
• Projeto de Extensão de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio: a partir de palestras, rodas de conversas e oficinas, destinadas a profissionais das áreas da saúde, educação e segurança pública;
• Ponto de Leitura Sérgio Walter: disponibiliza mais de 800 obras literárias, como livros sobre saúde mental e enciclopédias;
• Congressos da Afab: visam a quebra de estigmas e preconceitos com questões relacionadas à saúde mental;
• Fórum Permanente de Saúde Mental da Região Central: espaço de discussão e articulação em saúde mental, em defesa de políticas públicas que contemplem a necessidade da população;
• Visitas guiadas: oportunizam que estudantes, familiares, usuários e profissionais conheçam o espaço físico de acolhimento e obtenham informações sobre os projetos desenvolvidos no serviço;
• Grupo de Testemunhos: acontece como roda de conversa com o intuito de ampliar a educação em saúde mental;
• Grupo Redes de Afetos: grupo virtual através de aplicativo de mensagens com o objetivo de integração social;
• Projeto Re/conhecendo Práticas em Saúde Mental: objetiva promover rodas de conversas online, abertas a qualquer pessoa interessada;
• Oficina de Leitura – “Tire da Estante”: gerenciada por familiares e usuários do Espaço Nise da Silveira.
Texto: Andreina Possan, estudante de jornalismo e voluntária da Agência de Notícias
Edição: Lucas Casali