A redução dos níveis de CO₂ na atmosfera é um dos temas de maior relevância do mundo, que busca formas de converter esse gás em produtos de interesse da indústria também. Foi com esse objetivo que o Governo do Estado, juntamente com a participação de cientistas, universidades e empresas, criou a Rede Gaúcha para Captura e Valorização de CO₂ (RG-CO₂). A UFSM é uma das instituições participantes da pesquisa, que busca desenvolver tecnologia de ponta para transformar o grande vilão do efeito estufa em insumos.
Liderado pelos professores de química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Jairton Dupont (coordenador geral) e Osvaldo Casagrande (coordenador substituto), o projeto – além de levar o Rio Grande do Sul a um novo patamar econômico – pode elevar a capacidade científica e tecnológica do estado no setor dos processos de química verde e sustentável.
“A RG-CO₂ é formada pelos mais importantes grupos de pesquisa gaúchos, os quais estão inseridos nas principais universidades do estado do Rio Grande do Sul, atuando nas áreas de expertise que permitem abordar a captura e transformação do CO₂ por meio de propostas inovadoras, e assim aumentando de forma significativa as possibilidades de sucesso”, explica Osvaldo.
Como funciona? – A ideia é a seguinte: desenvolver tecnologia de ponta para transformar o CO₂ em produtos de valor agregado como commodities (matérias-primas básicas de interesse global) e combustíveis por meio de processos verdes, sustentáveis e economicamente viáveis, utilizando quatro linhas principais de investigação: catálise homogênea, catálise heterogênea, fotocatálise e sistemas eletroquímicos. A partir do CO₂ captado em chaminés de fábricas, é possível produzir diesel, gás natural, álcool e produtos como o ácido fólico, essencial para a cadeia do agronegócio (em adubos e fertilizantes) e importado da Alemanha.
No prédio 18 do campus sede da UFSM, o Laboratório de Materiais Inorgânicos desenvolve a pesquisa e síntese de materiais que auxiliam na divisão da molécula da água – processo que não é espontâneo e requer energia. Os materiais sintetizados são utilizados como fotocatalisadores, ou seja, usam luz. Esses materiais auxiliam no processo e reduzem a energia necessária para esse fim.
No caso do projeto realizado na UFSM, que trata da geração de hidrogênio verde, é utilizado o dióxido de titânio como principal material para fazer os fotocatalisadores. O dióxido de titânio é usado para dar a cor branca nas tintas e é um material de baixo custo. Para dar eficiência ao fotocatalisador, são usados derivados de selênio e telúrio junto com outros metais. Esses compostos aumentam muito a eficiência do fotocatalisador, que passa a absorver muito mais energia solar e gerar muito mais hidrogênio a partir da água.
De acordo com Ernesto Schulz Lang, professor que coordena o projeto na instituição, o foco do grupo é o desenvolvimento e a caracterização de fotocatalisadores para a produção de H₂ utilizando luz solar como fonte de energia.
“Além de sintetizar esses materiais, o laboratório testa a produção de hidrogênio a fim de entender o comportamento desses fotocatalisadores e, a partir disso, aprimorar o resultado que irá facilitar o processo, tornando ele economicamente viável”, explica o professor.
Cândida Brandl, de 26 anos, é uma das alunas que faz parte do projeto. Iniciando o terceiro ano do doutorado, ela conta que a pesquisa faz parte do projeto, graças ao potencial de aplicação, e também por ser social e ambientalmente importante. No laboratório, ela realiza análise dos experimentos e pesquisas bibliográficas.
“A experiência é única, com aprendizados que somente essa pesquisa pode fornecer. Gosto muito da parte de aplicação, pois vemos sentido no que estamos fazendo, e sabemos que isso trará um retorno para a sociedade no futuro, melhorando a qualidade de vida da população”, afirma a doutoranda.
Ela explica que é um processo quase completo: desde a síntese dos materiais (sejam eles complexos metálicos, óxidos metálicos ou semicondutores), o seu estudo envolve a parte estrutural e também a produção do gás.
Por um futuro mais sustentável – Espera-se que os materiais preparados durante o projeto apresentem alta eficiência na produção de compostos de alto valor agregado e de interesse industrial, além prover à indústria química uma metodologia limpa de produção de gás de síntese e outros compostos utilizando fontes renováveis de energia e compostos químicos. O projeto começou em 2022 e a tem previsão para ser finalizado em 2024.
“A longo prazo, o objetivo é mudar a atual dependência das áreas de energia e química com os combustíveis fósseis. Além disso, ao final do projeto teremos formado RH (alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pesquisadores de pós-doutorado) altamente qualificados em novas áreas para o desenvolvimento de tecnologia nacional, aptos para enfrentar os desafios na busca de resolver um grande problema mundial: a geração de energia limpa e a formação de compostos de alto valor agregado (biocombustíveis, building blocks na química fina) para manter o crescimento econômico, sem afetar o meio ambiente”, enfatiza Osvaldo.
Gaúchos na pesquisa – Na Ufrgs, os projetos em andamento englobam a síntese de materiais nanoestruturados, catalisadores homogêneos e heterogêneos e o uso destes em reações de hidrogenação e redução (fotoeletroquímica) do CO₂. O objetivo é a formação de materiais de maior valor agregado e o desenho computacional de líquidos iônicos funcionalizados visando absorção de CO₂.
Já na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), os pesquisadores estão envolvidos na caracterização eletroquímica de materiais semicondutores, sua aplicação na redução do CO₂ e o uso de derivados de CO₂ para aplicações em dispositivos eletroquímicos e armazenamento de energia. Na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), as atividades consistem no desenvolvimento de catalisadores heterogêneos nanoestruturados para reação de hidrogenação do CO₂.
Além de instituições da colaboração de universidades estaduais e nacionais, a RG-CO₂ conta com suporte de cientistas de instituições internacionais do Reino Unido e da Espanha. Atualmente o projeto recebe suporte financeiro para os laboratórios através de financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs). O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) fornecem as bolsas para os estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Já a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) tem fornecido apoio financeiro para os equipamentos de grande porte, como difratômetros de raios X, espectroscópios e microscópios.
Texto, foto e arte gráfica: Vitória Faria Parise, estudante de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Lucas Casali