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Estudo produzido por professor da UFSM auxilia na análise de dados para desenvolvimento de política de regulamentação de mercado de carbono no Brasil

Valny Giacomelli Sobrinho adaptou método utilizado em balanços financeiros para calcular quais setores da economia brasileira mais emitem gases de efeito estufa



O carbono está em todos os lugares: nos nossos corpos, no grafite do lápis que usamos para escrever, no diamante utilizado para fazer joias, no solo e também no ar. Sua presença na atmosfera, no entanto, colabora para o efeito estufa e mudanças climáticas de forma que o chamado “átomo da vida” é uma das principais ameaças ao futuro do planeta. Para evitar que a ameaça se torne realidade, cientistas do mundo todo têm alertado a comunidade internacional sobre a necessidade de reduzir a emissão do carbono e outros Gases do Efeito Estufa (GEE). Políticas para isso já existem, mas conflitos de interesse políticos e econômicos impedem que as medidas saiam do papel. 

Para ajudar na implementação dessas políticas no Brasil, Valny Giacomelli Sobrinho, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) da UFSM, desenvolveu um método que utiliza álgebra matricial para definir quais atividades econômicas devem integrar o chamado “Mercado de Carbono”. Seu trabalho foi publicado no Journal of Cleaner Production. A revista é uma das mais conceituadas da área, com 9,297 de 10 no quesito fator de impacto de acordo com Web of Science Group.

O artigo intitulado All the loners mingle – Where do they all come from and belong? Regulating sectoral emissions and carbon markets in Brazil”, em português “Todos os solitários se juntam – De onde eles vêm e onde se acomodam? Regulando as emissões setoriais e os mercados de carbono no Brasil”, aplica os índices de encadeamento de Hirschman-Rasmussen, geralmente utilizados para identificar os setores ou indústrias mais dinâmicos da economia, para calcular a emissão de GEE dessas atividades. 

Com esse método é possível verificar não só o impacto individual de cada setor, mas como ele influencia os demais, por meio das dinâmicas da cadeia produtiva. “Se um setor depende de outros e aumenta a sua produção, todos aumentam a sua atividade, é um efeito dominó. Sem levar em conta  os impactos ambientais, o resultado das áreas com maiores emissões é outro, foi isso que demonstrei no meu trabalho”, explica o professor. De acordo com o artigo, Agricultura, Floresta (desmatamento) e Energia são os setores mais dinâmicos da economia brasileira, isto é, os maiores responsáveis pelo seu desenvolvimento (geração de renda e empregos) mas, também, aqueles que mais emitem GEEs, à frente do setor de Transportes e da Indústria.

O professor afirma, também, que além da quantidade de emissões de cada setor, é preciso analisar o quão significativo ele é para a economia como um todo. “Muitas fábricas com baixa emissão (somadas) podem causar mais impacto que uma ou poucas fábricas com altas emissões”, destaca. Além de uma análise mais precisa sobre os impactos ambientais das cadeias produtivas, o método ajuda a acompanhar e projetar tendências sobre o crescimento ou redução das atividades em cada setor ao longo do tempo. A razão disso está no pressuposto de que a relação técnica entre insumos e produtos (ou subprodutos) é mais ou menos estável no tempo. Por isso é que se pode utilizar dados da última matriz insumo-produto disponível, mesmo que ela seja referente ao ano de 2018.

Um dos motivos que levou o pesquisador a empregar uma versão estendida do método de Hirschman-Rasmussen e aplicá-la à política climática para calcular quais atividades econômicas são as maiores emissoras de GEE foi o impasse sobre quais setores devem ser regulados e as possíveis consequências dessa regulação para a economia nacional, como desemprego, perda de arrecadação e falta de produtos. “Tentei demonstrar como se dá o primeiro passo para desenvolver o mercado de carbono. O método utiliza critérios objetivos para fazer essa escolha com coerência, ajuda a poupar tempo e recursos, além de definir metas mais consistentes de emissão”, afirma.

O que é o mercado de carbono?

O mercado de carbono foi criado como um mecanismo de incentivo financeiro para a  redução de emissão de gases de efeito-estufa na atmosfera. Para isso, cada país estabelece um teto de emissões permitidas para as empresas em seu território. “Supondo que o limite seja de 100 tCO2e (toneladas de carbono-equivalente) e uma empresa que emite apenas 70 tCO2e, ela ganha 30 créditos, supondo que 1 crédito de carbono = 1 tCO2e. Já uma empresa que emite 130 tCO2e precisa pagar por essas 30 tCO2e a mais e, para isso, precisa comprar 30 créditos”, explica o professor. 

Com o passar do tempo, o teto de emissões é reduzido de forma gradual, com o objetivo de atingir o net zero – zerar as emissões líquidas (emissões lançadas menos emissões removidas ou evitadas) de gases de efeito estufa na atmosfera. A criação de um mercado internacional de créditos de carbono está previsto no artigo 6 do Acordo de Paris, no entanto, ainda não há uma definição sobre como esse mercado irá de fato funcionar.

Oportunidade de ouro para o Brasil

O Brasil já possui iniciativas de comercialização de créditos de carbono, mas o setor não é regulado, por isso essas atividades são denominadas de mercado voluntário. Essa prática, no entanto, é pouco atrativa para as empresas por conta do alto custo do processo de certificação para se tornar um fornecedor de créditos de carbono. “Atualmente os custos são elevados e geralmente só grandes empresas podem arcar com ele. Estabelecer um mercado ajuda a diminuir os custos para quem deseja investir na área, pois o custo é diluído entre mais interessados”, projeta Valny.

O pesquisador aponta que, por conta da área florestal, que corresponde a quase 60% do território nacional, por sua matriz energética, considerada limpa, já que não utiliza queima de carvão, como países europeus e Estados Unidos, o Brasil possui potencial para ser um dos protagonistas, se não o protagonista do mercado de carbono.

“Nós temos uma ideia de que gerar renda é destruir a floresta e construir indústrias, mas a floresta é a maior indústria que temos, pois ela é forma mais barata, rápida e eficiente de reduzir as emissões de carbono, além de proporcionar outros recursos naturais que temos e não enxergamos como ativos econômicos. O problema é que no Brasil não se investe nisso; há mais incentivos para derrubar uma árvore do que para mantê-la em pé”, afirma Valny.

Além disso, o pesquisador destaca que o cenário geopolítico tornou os créditos de carbono ainda mais valiosos. Devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, a União Europeia deixou de importar gás natural russo. Para suprir suas demandas energéticas, os países precisam utilizar-se da queima de carvão e combustível fóssil, o que aumenta as emissões de gás carbônico. “Como lá já existe um mercado regulamentado, os países são obrigados a cumprir metas. Então, eles estão à procura de algum país que ofereça créditos de carbono, e quem faz isso é quem tem floresta e energia limpa. Estima-se que por não possuir um mercado estabelecido, o Brasil perca de 16 a 25 bilhões de Euros por ano”, afirma.

A falta de um mercado regulamentado não é exclusividade do Brasil, ainda são muitos os países que não dispõem de mercados de carbono regulamentados nem voluntários. Exceções são países da União Europeia, China, Nova Zelândia, Califórnia (EUA) e Quebec (Canadá), que já regulamentaram a comercialização de créditos de carbono. A ausência de iniciativas nacionais dificulta a criação de um mercado internacional. De acordo com o professor, a exportação dos créditos é um incentivo ainda maior para reduzir as emissões, já que se um país possui créditos sobrando, ele pode negociar com outros. Sem essa possibilidade, ele aponta que dificilmente esse excedente seria gerado porque não haveria quem o comprasse.

Segundo Valny, o incentivo econômico é crucial para que as políticas ambientais sejam bem-sucedidas. “Muitos problemas ambientais já possuem soluções que não são aplicadas por falta de incentivo financeiro. É preciso mostrar que há um custo em poluir e um lucro em preservar, por isso medidas como o mercado de carbono são importantes”, destaca.

Trajetória premiada

O professor já empregou a matriz insumo-produto em outro trabalho sobre gerenciamento de resíduos sólidos no varejo. O trabalho foi o vencedor na categoria Pesquisador do 3º Prêmio Walmart-Brasil de Varejo Sustentável, no ano de 2010. Mas a sua pesquisa com os índices Hirschman-Rasmussen não foi algo planejado.

“Fui designado para ministrar uma disciplina que não era da minha área de atuação. Quando eu comecei a estudar para dar as aulas eu descobri sobre esses índices que não havia aprendido durante a graduação”, lembra o professor. Após esse primeiro contato, ele aprofundou os estudos na área por perceber que o método poderia ser aplicado na sua especialidade: economia ambiental, na qual possui um mestrado na Wageningen University and Research Centre, na Holanda.

O que motivou o pesquisador neste novo trabalho foram as discussões para regulamentar o mercado de carbono no Brasil. No final de 2022, a Medida Provisória nº 1.151 incluiu a comercialização de créditos de carbono dentro da Lei de Gestão de Florestas Públicas (nº 11.284), embora a regulação do mercado de carbono ainda não tenha sido consumada. A criação de um mercado nacional para comercialização de créditos de carbono não interessa apenas ao Brasil, mas a toda a comunidade internacional por conta da importância que a pauta ambiental ganhou nas últimas décadas.

Apesar de reconhecer a importância do tema, o alcance do trabalho surpreendeu o pesquisador. Para ele, um dos motivos que fez o trabalho ser selecionado é a sua multidisciplinaridade, já que ele engloba Álgebra Linear, Economia e Meio Ambiente.

Saiba mais

Para explicar melhor como funciona o Mercado de Carbono, onde a ideia nasce, como se desenvolve e, ainda, algumas formas de reduzir as emissões de GEE, o gráfico abaixo apresenta uma linha do tempo de iniciativas realizadas e dicas para uma atuação mais sustentável.

Texto e gráfico: Bernado Silva, estudante de jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Imagem de capa: Daniel Michelon De Carli, design
Imagens Infográfico: fundo- Fotografia Geran de Klerk disponível em Unsplash.  fontes de energia e produtos – Freepik; tabela com valores de gases – reprodução

Edição: Mariana Henriques, jornalista

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