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Semana 8M: mulheres na ciência, uma realidade ainda em desequilíbrio

Em evento promovido pela UFSM em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres, servidoras e alunas debatem a inserção feminina no meio acadêmico



Ao longo da história, as mulheres sempre tiveram suas habilidades e competências questionadas em diversos campos, entre eles, o mercado de trabalho. Isso ocorre em decorrência de concepções machistas e patriarcais, que, ainda em 2023, se encontram enraizadas em parte significativa da sociedade. No meio científico, esse cenário consegue ser ainda mais intensificado, o que revela uma série de problemáticas que precisam ser discutidas e enfrentadas. Pensando nisso, a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP), junto com a Casa Verônica, vinculada à Pró-Reitoria de Extensão (PRE), realizaram, neste 08 de março, um cine-debate sobre o tema, com a exibição do filme norte-americano Estrelas além do tempo.

O longa é baseado na história real de três mulheres negras que integravam a equipe de cientistas da NASA na década de 1960, período da Guerra Fria, marcado pela corrida espacial entre Estados Unidos (EUA) e Rússia. Apesar de se mostrarem essenciais para a vitória dos EUA, no decorrer de todo o filme, as protagonistas são atingidas por falas e atos preconceituosos, que deixavam explícita a desigualdade de gênero e raça pela qual elas estavam submetidas naquele meio dominado por homens brancos. Em uma das cenas, por ser mulher e negra, a cientista é confundida como faxineira da empresa – situação que nos dias de hoje ainda se repete, devido à visão discriminatória de que o único cargo que uma pessoa com estas características seria capaz de exercer, seria o de faxineira.

Da história contada no filme à realidade brasileira

De acordo com uma das palestrantes do cine-debate, a professora do Departamento de Metodologia do Ensino do Centro de Educação (CE) da UFSM, Leonice Mourad, essa reprodução de pensamentos preconceituosos não será alterada sem que haja um esforço coletivo expressivo para isso, porque “vivemos um contexto em que a internalização de comportamentos, muitas vezes reproduzidos de maneira inconsciente, muda muito lentamente”. Como consequência dessa mentalidade, ela explica, mulheres ocupam menos cargos de liderança no meio acadêmico e tecnológico, tanto porque a sociedade dificulta o ingresso delas nesse ambiente, quanto divido às barreiras mentais que as próprias mulheres constroem involuntariamente ao crescerem em contextos machistas. Segundo o estudo intitulado A Snapshot of the Status of Women in Brazil, de 2019, mesmo sendo a maioria das pessoas com doutorado, as mulheres representam somente 24% dos beneficiários do subsídio concedido aos cientistas brasileiros mais produtivos. Na Academia Brasileira de Ciências, elas equivalem a 14% do total de integrantes, e no Prêmio Nobel, as mulheres correspondem a apenas 6% dos premiados, de um total de 947 cientistas.

A grande contradição é que, no Brasil, quem mais conclui cursos de mestrado e doutorado são as mulheres. Conforme dados da plataforma Lattes, de 2010 a 2021, 72,7% dos novos mestres e 53,1% dos novos doutores são do sexo feminino. Somado a isso, uma pesquisa de 2020 da Universidade de Stanford, nos EUA, verificou que pessoas negras e mulheres produzem pesquisas mais inovadoras do que homens brancos, porém estes estudos recebem menos destaque e prestígio por conta do recorte de gênero e raça. Tanto os Estados Unidos, quanto o Brasil, vivenciaram nos últimos anos governos com posições conservadoras em relação a pautas sociais, o que, para Leonice, prejudicou a luta feminista: “ao analisarmos os últimos sete anos [governos Temer e Bolsonaro], o que temos é um retrocesso preocupante e assustador no que diz respeito à temática de gênero”, comenta. Contudo, a docente reforça que essa regressão revela, também, como a sociedade civil não se sente confortável em tratar o tema da igualdade de gênero.

Enquanto isso ocorre, quem sofre são elas: Leonice explica sobre seu estudo, feito em conjunto com outras pesquisadoras, que indica que mulheres recebem mais assédio acadêmico que homens: “elas trabalham e são cobradas muito mais que os meninos, e fazem o trabalho ‘bruto’ sem que sejam recompensadas [por empenharam mais esforço]. Além disso, dificilmente aparecem em publicações, como a Katherine [personagem do filme] com os relatórios que ela fazia. Então, isso não é novidade, e precisamos ficar atentos a essa realidade”.

Desigualdade refletida nos salários

Um estudo publicado em 2023 pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) revelou que gaúchas com escolaridade superior aos homens possuem média salarial 37,2% menor que a deles. Essa realidade não é exclusiva do estado, mas de todo o país, apesar de a igualdade de salários entre homens e mulheres ser reconhecida na Constituição Federal e na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Se considerarmos mulheres negras, os números são ainda piores: de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, a cada R$1,00 que um homem branco ganhava, uma mulher branca recebia R$0,78 e uma mulher negra somente R$0,43, escancarando a necessidade de considerar a intersecção de raça ao pensarmos sobre igualdade de gênero. Como forma de enfrentar essa situação, na quarta-feira (08) o governo federal apresentou uma proposta que estabelece que empresas paguem o mesmo salário para todos aqueles que exercem a mesma função, com a possibilidade de pena de multa caso descumpram.

O projeto ainda precisa passar pela Câmara de Deputados e pelo Senado para ser aprovado, mas já é motivo de esperança para quem sofre as consequências da disparidade salarial, que incluem, dentre outras questões, o aprisionamento à violência doméstica. Isso porque, ao deter um salário muito inferior ao marido, muitas vezes a mulher se torna dependente financeiramente dele, o que é um problema pois, segundo uma pesquisa de 2017, feita pelo Instituto DataSenado, uma a cada quatro mulheres que sofrem violência em casa não denunciam o agressor por causa da questão financeira.

Maternidade vista como um problema

Como justificativa para a diferença salarial e até mesmo para a não contratação de mulheres, muito se usa o argumento de que, caso uma funcionária engravide, a empresa será prejudicada, como se a maternidade fosse interferir negativamente no desempenho delas. Ao encontro desse pensamento, Leonice comenta escutar esse tipo de comentário no meio acadêmico: “lamentavelmente, eu ouço com muita frequência sobre a insensibilidade com mulheres que têm filhos [no meio acadêmico]. Em alguns contextos é quase como um convite a essas companheiras mulheres estudantes para que se afastem e retornem em algum outro momento. […] E estudos expressivos mostram que na pós-graduação isso é muito mais grave”, reflete.

A professora membro do Departamento de Química e do Curso Superior de Tecnologia em Processos Químicos, Paola Mello, que também participou do cine-debate, relembrou de uma das cenas do filme, em que uma das protagonistas precisa se empenhar mais que o normal para desempenhar seu papel como profissional e como mãe. E, nesse sentido, Paola questiona como no século XXI ainda existem tantos entraves na vida das mulheres, especialmente, mulheres negras e transsexuais. Em sua fala, a docente provoca a reflexão: “por que a gente precisa ter uma cor ou sexo específico para exercer uma tarefa?”

UFSM em busca da igualdade de gênero

A Vice-Reitora, Martha Adaime, e o Reitor, Luciano Schuch, expuseram que a UFSM tem progredido na inserção de mulheres no ambiente acadêmico, já possuindo igualdade na quantidade de homens e mulheres no corpo discente. Entretanto, em cargos de gestão, o caminho para a equidade ainda está sendo trilhado, como mostram os dados disponibilizados pelo UFSM em Números, em 10 de março.

Das 4.132 mulheres servidoras da UFSM, 129 se declaram pardas, 97 pretas, 7 amarelas e 2 indígenas. Do total, são 362 mulheres ocupando cargos de chefia, entre docentes e técnica-administrativas em educação (TAE´s). Delas, 25 são pardas e negras e uma amarela. Para Leonice, é preciso que haja mais políticas de permanência e de formação para que mulheres que hoje são estudantes consigam, futuramente, desempenhar esses papéis de gestão.

Nesse sentido, a Universidade sancionou, em novembro de 2021, a Política de Igualdade de Gênero, com o intuito de estabelecer mecanismos que promovam a equidade entre homens e mulheres na Instituição. Somado a essa medida, foi criada, também, a Casa Verônica, espaço de acolhimento dentro da UFSM para pessoas em situação de violência de gênero, especialmente mulheres trans.

Para incentivar o protagonismo feminino no meio científico, também são desenvolvidas diversas ações e iniciativas na Universidade, seja por docentes, TAE’s ou estudantes. Alguns exemplos podem ser citados: o grupo BitMarias foi criado por e para alunas de Computação da UFSM, a fim de prestar apoio e  visibilidade à participação feminina no campo;Gurias de Energia se originou dentro do Curso de Arquitetura e Urbanismo para incentivar meninas em idade escolar a atuarem nas carreiras STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática); o projeto Meninas Olímpicas, idealizado pela professora Nara Bigolin, tem o objetivo de incentivar a participação das mulheres em olimpíadas de conhecimento. As iniciativas são muitas e, para os próximos anos, o que se espera é um cenário de mais igualdade e oportunidade para as mulheres em todas as áreas de atuação.

Texto e fotos: Laurent Keller, acadêmica de jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Mariana Henriques, jornalista

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