Na noite de terça-feira (8), aconteceu no Centro de Conferências da UFSM a conferência “Brasil: Terra Indígena – 522 Anos de Resistência”, que integra a programação do evento homônimo. A conferência trouxe diversas lideranças indígenas, com destaque para Davi Kopenawa Yanomami, Clécia Pitaguary, Laisa Kaingang e Domingos Xakriabá, convidados que compuseram a mesa. O Centro de Convenções ficou lotado, com indígenas que vieram de diversas cidades do estado e não-indígenas interessados na pauta e dispostos a aprender mais sobre a resistência dos povos originários. As primeiras fileiras da plateia foram reservadas para os estudantes indígenas da UFSM, como forma de mostrar a importância da presença deles. Durante toda a conferência, houve unanimidade em afirmar que o Brasil é terra indígena, e que, além disso, a UFSM também é terra indígena e deve ser ocupada por cada vez mais estudantes indígenas.
O evento iniciou com uma apresentação cultural do Grupo Guarani Tenonde Vera Miri, de Santa Maria. E, no encerramento, houve uma apresentação cultural do Grupo de Dança Kaingang Jerã, da Aldeia Ventarra, de Erebango (RS).
A mesa de honra foi composta pelo cacique Natanael Claudino Kaingang, uma das principais lideranças indígenas de Santa Maria; pela professora Mariana Selister, coordenadora do Bacharelado em Ciências Sociais; pela professora Laura Senna, coordenadora da Licenciatura em Ciências Sociais; pelo professor Anderson Santos, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi); pela acadêmica Roseni Mariano Kaingang, representante do Coletivo Indígena da UFSM; pelo Acadêmico Xainã Pitaguary, representante da Liga Yandê; e pelo professor Luciano Schuch, reitor da UFSM.
Após as manifestações da mesa de honra, foram chamados para compor a mesa de conferencistas as lideranças Davi Kopenawa Yanomami, Clécia Pitaguary, Laísa Kaingang, Domingos Xakriabá e Natanael Claudino. Atuaram como mediadores o historiador Joceli Kaingang, formado na UFSM, e o antropólogo Pablo Albernaz, professor na Universidade Federal de Roraima.
Davi Kopenawa Yanomami – Ele é xamã e porta-voz do povo Yanomami, do Amazonas. É presidente da Hutukara Associação Yanomami, e trabalha como autor, roteirista, produtor cultural e palestrante. É também autor do livro A Queda do Céu – Palavras de um Xamã Yanomami, em coautoria com o antropólogo francês Bruce Albert. Falou sobre a importância do evento, a importância de pessoas não-indígenas escutarem o que os indígenas têm a dizer. Sobre seu livro, disse que ele é feito com a intenção de mostrar aos não-indígenas como é a vida dos Yanomami, para aprenderem o conhecimento que os povos têm para passar para as pessoas da cidade.
Comentou suas perspectivas sobre questões políticas históricas, incluindo o confronto com invasores, desde quando entrou na luta, ainda na época da ditadura militar, quando a demarcação separou 19 ilhas dentro do território originalmente Yanomami. “Eu não queria demarcação de terras pequenas, é muito pouco para o meu povo viver, eu queria terra única para meu povo continuar vivendo, continuar trabalhando, criando seus filhos e netos. Então por isso escolhi essa luta, que é muito perigosa. Não indígena que não gosta de índio, eles matam”, contou, acerca de sua história. Falou também sobre sua perspectiva de futuro, em âmbito político e em relação aos perigos que ameaçam a natureza. Reafirmou a necessidade dos povos para defesa e manutenção das florestas.
Confira a entrevista feita pela Revista Arco, para mais detalhes sobre a vida de Davi e suas ideias.
Clécia Pitaguary – Cacica Clécia é cacica da aldeia Monguba, da Terra Indígena Pitaguary, no município de Pacatuba (CE). Trabalha como artesã e luta com o movimento indígena desde o final dos anos 1990. Também integra o Portal Vozes das Mulheres Indígenas, em parceria com a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres). Ela explicou que a aldeia Monguba é conhecida como uma aldeia matriarcal, e que isso não é porque as mulheres “mandam” em tudo, mas porque a maioria da população que compõe a aldeia são mulheres. Falou sobre sua história, da luta de sua mãe para alfabetizar as crianças da comunidade, e que, inspirada por ela, sempre lutou pela educação das crianças indígenas por educadores indígenas. Segundo ela, as escolas não-indígenas sempre impuseram a colonização sobre as crianças, tentando anular a identidade indígena e ensinando história de um ponto de vista eurocêntrico.
Laísa Kaingang – Laísa Sales Ribeiro é do povo Kaingang, é bióloga formada pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), especialista em Educação Indígena pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, faz doutorado em Antropologia, também pela UFPel, com o tema “A contribuição feminina na formação da pessoa Kaingang”. Em sua manifestação, ela afirmou que a motivação principal para ingressar no ensino superior foi a vontade de falar sobre o próprio povo, em vez de apenas servir como objeto de pesquisa para pesquisadores brancos. Para ela, estar ali suscita o sonho de que sua neta, que hoje tem 8 anos, também possa ocupar o espaço da universidade no futuro.
Domingos Xakriabá – Cacique Domingos é do povo Xakriabá e cacique da aldeia Sapé, localizada em São João das Missões (MG). Durante sua manifestação, contou sobre a história de sua aldeia e de sua própria família, que sofreu com uma chacina em 1987, quando seu pai, o então cacique Rosalino de Oliveira, foi assassinado por pistoleiros. Além do cacique, mais dois indígenas foram assassinados, Manuel Fiúza da Silva e José Pereira Santana, e a mãe de Domingos, Anísia Nunes, na época grávida de dois meses, foi ferida com um tiro no braço. Também é membro da Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais.Cacique Domingos é do povo Xakriabá e cacique da aldeia Sapé, localizada em São João das Missões (MG). Durante sua manifestação, contou sobre a história de sua aldeia e de sua própria família, que sofreu com uma chacina em 1987, quando seu pai, o então cacique Rosalino de Oliveira, foi assassinado por pistoleiros. Além do cacique, mais dois indígenas foram assassinados, Manuel Fiúza da Silva e José Pereira Santana, e a mãe de Domingos, Anísia Nunes, na época grávida de dois meses, foi ferida com um tiro no braço. Depois de tanta dor, a resiliência transformou o sofrimento em luta: em 2018, seu irmão, José Nunes de Oliveira, se tornou prefeito da cidade de São João das Missões, e Cacique Domingos é membro da Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais.
Natanael Claudino – Cacique Natanael é o cacique da Aldeia Três Soitas, de Santa Maria. É do povo Kaingang e atua como um dos protagonistas da luta pelos direitos indígenas na cidade. Ele também auxilia os estudantes indígenas da UFSM, tanto em suas demandas por auxílio para permanência estudantil (como a Casa do Estudante Indígena, as bolsas, o acesso ao Restaurante Universitário), quanto em apoio espiritual e emocional.
O evento foi promovido pelos cursos de bacharelado, licenciatura e pós-graduação em Ciências Sociais, pelo Departamento de Ciências Sociais, pelo Neabi, pela Liga Yandê e pelo Coletivo Indígena da UFSM. E teve o apoio das pró-reitorias de Graduação (Prograd), Extensão (PRE), Pós-Graduação e Pesquisa (PRPGP) e de Assuntos Estudantis (Prae), e também da direção do Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH), coordenação da JAI, Observatório de Direitos Humanos (ODH), Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin), Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm), Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) e Diretório Central dos Estudantes (DCE).
A semana Brasil: Terra Indígena – 522 Anos de Resistência faz parte da 37ª JAI da UFSM. A programação completa da semana pode ser conferida aqui.
Texto: Ana Laura Iwai, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Ana Alicia Flores, Acadêmica de Desenho Industrial e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Lucas Casali