O segundo semestre letivo na UFSM inicia com um aperto ainda maior no cinto. Situação que se prolonga ao longo dos últimos meses, a crise orçamentária chega a um novo patamar. Diversas medidas deverão ser adotadas até o fim do ano para cortar custos, impactando na qualidade da prestação de serviços à comunidade. Fechar a conta não será possível. A intenção é, pelo menos, reduzir o prejuízo, de forma a não complicar ainda mais a situação para 2023. O momento requer compreensão e, sobretudo, colaboração de toda a comunidade.
A UFSM começou 2022 com uma previsão de orçamento de R$ 129 milhões, que por si só já seria insuficiente. Conforme as estimativas iniciais, a UFSM precisaria de R$ 169 milhões para manter adequadamente as atividades de ensino, pesquisa e extensão, além das demandas da assistência estudantil, encargos gerais (despesas básicas de funcionamento) e melhorias na infraestrutura. Em junho, o corte de R$ 9 milhões nos já enxutos R$ 129 milhões previstos inicialmente ampliou a defasagem orçamentária. Na época, foram realizadas audiências públicas no Campus Sede e na Câmara de Vereadores para explicitar a situação delicada imposta pelos cortes.
De lá pra cá, grande parte das demandas ficou com o atendimento suspenso. As reservas orçamentárias vêm sendo utilizadas, e recursos têm sido remanejados para minimizar o problema, mas ainda assim as medidas não têm sido suficientes para suprir as últimas perdas orçamentárias, fazendo com que houvesse uma projeção de déficit em torno de R$ 10 milhões.
O reitor da UFSM, Luciano Schuch, em entrevista concedida à TV Campus, lembra que a Universidade já começou o ano com um orçamento R$ 27 milhões menor que em 2020, e os sucessivos cortes e contingenciamentos reduziram ainda mais o montante disponível. Ao se aproximar do último trimestre, a preocupação aumenta. “Vamos precisar de novos ajustes, que vão impactar, de novo, toda a comunidade”, afirma. “Mesmo fazendo todo o esforço, devemos terminar o ano devendo R$ 6 milhões. Vai ser o primeiro ano das últimas décadas que vamos encerrar devendo”, acrescenta Schuch.
Devido à situação, estão sendo revistos e reduzidos todos os contratos com terceirizações. As medidas restritivas impactam na redução de serviços como conservação, manutenção em geral, segurança, bolsas, funcionamento do Restaurante Universitário (RU), insumos, entre outros. “A solução é dificílima, pois ao longo dos últimos anos já foram realizados ajustes para dar conta da redução que vem acontecendo. Não há como adotar uma medida linear, cada item de despesa está sendo rediscutido e poderão ocorrer cortes ou ajustes em percentuais diferenciados”, afirma Joeder Campos Soares, da Coordenadoria de Planejamento Econômico da Pró-Reitoria de Planejamento (Proplan).
Joeder esclarece que as medidas previstas não resultarão em economia de recursos, pois algumas despesas foram postergadas e, em algum momento, precisarão ser atendidas. Mesmo com os cortes vindouros, acredita-se que a Instituição ainda ficará com uma dívida de R$ 6 milhões para exercícios futuros – situação que preocupa ainda mais considerando-se que para 2023 há uma expectativa de decréscimo de 10% em relação ao orçamento atual, o que antecipa para o próximo ano um desafio ainda mais gigantesco. “Infelizmente um cenário como esse pode não permitir uma consolidação de projetos em andamento ou fomento adequado ao desenvolvimento científico e tecnológico”, afirma.
Menos postos de trabalho
A redução orçamentária afeta todos os setores da UFSM. Segundo o pró-reitor de Administração, José Carlos Segalla, está sendo reduzido o orçamento de encargos gerais, incluindo contratos de terceirizações (menos postos de trabalho para limpeza, motoristas, vigilância física e monitorada, vigias e portarias, entre outros), além de luz, água, telefonia, circuito de dados, entre outras, atingindo todas as Unidades de Ensino e Pró-Reitorias da Universidade. “Já reduzimos os contratos em junho e estamos providenciando novas reduções até o final do ano, que vão afetar ainda mais o funcionamento da UFSM”, afirma Segalla.
Nos meses de junho e julho, foram cortados 58 postos de trabalho terceirizados na Universidade. Como alguns postos são ocupados por mais de uma pessoa, estima-se uma redução de mais de 90 terceirizados, em diversas categorias. De outubro a dezembro, está previsto o corte de mais 27 postos de trabalho, afetando um número ainda maior de trabalhadores. Os postos a serem cortados representam 20% da manutenção e 35% do apoio administrativo atual, incluindo recepcionistas, técnicos em secretariado, arquivistas de documentos, além de postos em laboratórios, portarias, entre outros. Além disso, a Coordenadoria de Tecnologia Educacional (CTE) vai perder 25% de seus terceirizados, que prestam apoio a diversas atividades institucionais.
O impacto decorrente das reduções de pessoal previstas deve resultar em menos agilidade no Processo Eletrônico Nacional (PEN-SIE) e nas logísticas de entrega de equipamentos e materiais e no recolhimento e processamento de bens inservíveis nas áreas de almoxarifado e patrimônio. No almoxarifado, por exemplo, eram 12 terceirizados no início do ano. Agora são nove, e vão ficar somente seis. “Vai ficar tudo mais demorado”, lamenta Segalla. Muitas vezes, por exemplo, a unidade de ensino vai ter que buscar o material no almoxarifado, em vez de recebê-lo. A emissão de diplomas digitais pela Coordenadoria de Registro e Matrícula (Corem) também será afetada, já que conta com o apoio de trabalhadores terceirizados.
Embora assegure que a UFSM vai funcionar normalmente até o fim do ano, o reitor adverte que, gradativamente, o serviço de apoio vai ficar mais lento, com equipe menor para colaborar. Além disso, projetos estratégicos como o Descubra UFSM e a Jornada Acadêmica Integrada (JAI) estarão menores este ano, devido ao impacto orçamentário. Ambos os eventos terão uma redução de 50% nos recursos, acarretando, por exemplo, na suspensão de bolsas para os alunos colaboradores.
Infraestrutura afetada
Outro impacto decorrente da crise orçamentária refere-se às reformas de prédios e salas, que por enquanto estão suspensas, gerando um acúmulo de demandas para os próximos anos, em razão do desgaste natural dos prédios.
Segundo o reitor, reformas e manutenções que estavam planejadas para este ano – incluindo acessibilidade, Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI) e reformas corretivas – estão paradas, com exceção das que foram feitas com recursos próprios das unidades de ensino. “O fundo que existia na Reitoria para fazer reformas, trocar telhado, pinturas, não tem mais”, afirma Schuch. Cerca de R$ 2 milhões deixaram de ser investidos em reformas nos campi da UFSM em 2022.
Contratos para manutenção de ar-condicionado também foram revistos. A limpeza nos prédios em nenhum momento foi reduzida – e nem há previsão -, mas os espaços externos do Campus Sede devem receber menos atenção nos próximos meses, com menos trabalhadores e recursos para o corte de grama, podas de árvores, ajardinamento. “Logo, a comunidade vai notar isso, que a grama não estará tão bem cortada. Vamos perder aquele charme que a Universidade sempre teve de ser um dos lugares mais limpos e seguros da cidade”, lamenta o reitor.
Impacto na assistência estudantil
Reconhecida por oferecer uma das melhores assistências estudantis da América Latina, a UFSM será obrigada a reduzir despesas também nesta área. Será a primeira vez que a assistência estudantil da Universidade será afetada pela redução de verbas.
Uma das medidas necessárias será aumentar o valor da refeição para alunos sem Benefício Socioeconômico (BSE) de R$ 2,50 para R$ 3,50, com um subsídio de 70% – até então o subsídio é de 78% de todas as refeições para não BSE. Após discussões com o DCE, a proposta será encaminhada para votação dos Conselhos Superiores ainda neste mês.
Outra mudança que irá para apreciação dos conselheiros será uma refeição subsidiada por aluno/dia, e no caso de uma segunda ou terceira alimentação, o usuário pagará o valor do contrato do campus Santa Maria, sem o subsídio da Universidade.
A pró-reitora adjunta de Assuntos Estudantis, Angélica Iensen, ressalta que estas mudanças serão válidas apenas para quem não tem BSE. Os alunos cuja renda familiar per capita não chega a 1,5 salário mínimo – que são cerca de 60% do total da UFSM – seguem com refeições gratuitas.
Recentemente, com o agravamento da crise econômica no país e os crescentes custos da alimentação, muitos estudantes passaram a fazer as refeições no RU, considerando a economia e a qualidade das refeições. Assim, segundo Angélica, passou-se a gastar mais no RU com os estudantes não BSE do que com o público-alvo da assistência estudantil, que são os estudantes em vulnerabilidade, sendo que a maior parte do recurso que mantém o restaurante é do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), obrigatoriamente destinado aos estudantes com BSE. Esse é um dos motivos que justificam a proposta de aumento nos valores na alimentação.
Além do RU, as Casas do Estudante (CEUs) também sofrerão impacto com os cortes previstos. Segundo Angélica, como as CEUs são construções antigas, que demandam manutenção constante, chegou-se ao limite em vários espaços. Hoje há 17 apartamentos interditados, esperando por reformas. Com a falta de recursos, não será possível contratar serviço ou comprar material necessário para essas reformas, o que resultará na diminuição da oferta de vagas de moradia temporariamente, até que a situação seja revertida. Já a redução de trabalhadores terceirizados vai tornar os serviços de manutenção e infraestrutura mais demorados.
“Desde o início do ano, estamos puxando o cobertor de um lado para cobrir do outro. O fato é que não há recursos disponíveis para manter o padrão de excelência atingido pela assistência estudantil da UFSM. Este cenário orçamentário que nos foi imposto torna insustentável o nosso conjunto de ações da forma como vínhamos fazendo, e impossibilita grande parte das ações de ampliação e das melhorias planejadas para o futuro”, lamenta a pró-reitora adjunta.
Trabalho coletivo reduz déficit
A questão orçamentária vem sendo monitorada atentamente por um grupo criado na UFSM especialmente para este fim. Servidores de diversas pró-reitorias têm se reunido semanalmente para estudar alternativas visando ao equilíbrio das contas. O trabalho, marcado pela responsabilidade e transparência, já permitiu reduzir o déficit inicial em mais da metade.
Antes do uso de reservas orçamentárias, remanejamento de recursos e suspensão de obras e reformas, o déficit chegou a estar projetado em cerca de R$ 15 milhões. As medidas a serem adotadas a partir de agora – redução de terceirizados, em contratos de manutenções e o aumento nos valores do RU – devem permitir um novo déficit projetado de cerca de R$ 6 milhões. Há ainda a previsão de negociar com o MEC parte do custo de energia elétrica, o que poderia reduzir o déficit para a casa de R$ 4 milhões.
Segundo o pró-reitor substituto de Planejamento, Fernando Pires Barbosa, “o esforço institucional já está sendo grande para que consiga chegar no menor déficit possível. Se o cenário não mudar, o esforço a ser feito em 2023 tende a ser ainda maior”.
Ações isoladas em unidades e pró-reitorias também têm feito diferença. O pró-reitor de Administração cita, por exemplo, a negociação com uma empresa na renovação do contrato de passagens rodoviárias, mantendo o desconto de 30% em cada passagem emitida, e a readequação do plano de capacitação dos servidores, priorizando capacitações online e reduzindo a participação em eventos presenciais do governo federal, de forma a reduzir gastos com diárias e passagens.
“A sobrevivência da Instituição depende da atitude de todos os segmentos que compõem a UFSM, seja para atuar em defesa da mesma, seja para participar das decisões que serão tomadas nas instâncias internas, seja para adoção de práticas que minimizem os custos de funcionamento, como consciência individual na utilização dos espaços”, relata Joeder, citando como exemplo cuidados com limpeza, uso de lâmpadas, condicionadores de ar, consumo de papel, entre outros. Para ele, o impacto também pode ser amenizado mediante a elaboração de planos com priorização por parte das unidades internas, de forma que as despesas inadiáveis e urgentes sejam atendidas.
O reitor também acredita na sensibilização tanto da comunidade acadêmica quanto da população em geral. “A situação é bem complexa, e a comunidade também precisa enxergar isso, quando vem para o campus, para o Cappa, para o Jardim Botânico, entender que tem investimento para manter essa estrutura”, afirma Schuch.
Texto: Ricardo Bonfanti, jornalista da Agência de Notícias
Foto: Ana Alicia Flores, acadêmica de Desenho Industrial, bolsista da Agência de Notícias