Durante os anos de pandemia e uso contínuo do Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE) para o ensino-aprendizado, toda a organização administrativa da Universidade precisou também, a seu modo, migrar para o remoto. Com a volta paulatina à normalidade, não só o servidor, mas sua forma de enxergar o trabalho também sofreu mudanças, as quais devem ser analisadas e estudadas a fim de verificar a possibilidade de permanência de certas rotinas remotas. É o que veremos na quarta reportagem da série sobre o UFSM em REDE.
O novo labor
O período em isolamento permitiu – e ao mesmo tempo obrigou – que os servidores testassem novas possibilidades de continuar seu trabalho, mesmo em um cenário inédito, visto que o inteiro funcionamento da UFSM dependia disso. É o que acredita a administradora Márcia Lorentz, pró-reitora de Gestão de Pessoas no início da pandemia, atualmente responsável pela Coordenadoria de Projetos e Convênios da Pró-Reitoria de Planejamento (Proplan). Márcia guarda os saldos desse período, dentre eles, um que veio para ficar: as videochamadas. Seu uso mais expressivo se dá em reuniões com as gestões dos demais campi da UFSM, por exemplo, que outrora contava com a presença de todos de forma presencial, necessitando de descolamento. Agora, as reuniões voltaram a ser presenciais, porém quem é de outra cidade pode participar virtualmente.
Além disso, dentro de seu próprio setor, Márcia pôde conhecer pessoas com quem antes não tinha contato. Ela explica que, durante as reuniões presenciais, apenas se encontrava com as chefias, porque não havia estrutura para abrigar as mais de 100 pessoas que trabalham no setor. Já no REDE, todos podiam participar das conferências online. No entanto, ela salienta a importância de ligar a câmera nesses encontros, para que se aproxime da ideia de presença e que os participantes não sejam “apenas uma foto e um nome estáticos”.
A herança tecnológica
Para o atual pró-reitor de Gestão de Pessoas, Daniel Coronel, a grande marca do REDE é justamente a utilização de novas tecnologias, as quais já estavam sendo pensadas pela gestão, “mas na rapidez com que essa pandemia se instaurou tivemos que utilizá-las de maneira abrupta, caso contrário estaríamos completamente paralisados”, pondera. Ele afirma que essas mídias digitais são ferramentas importantes por ajudarem no processo de ensino-aprendizagem e nas tarefas administrativas, mas não chegam a substituir a presencialidade e suas peculiaridades – que é o melhor caminho para uma educação transformadora. “As tecnologias de informação devem ser usadas com parcimônia, acopladas a um processo maior de ensino”, reitera.
Outra ferramenta que se consolidou no meio corporativo foi o aplicativo de mensagens Whatsapp. Nele, Márcia criou um grupo para falar direto com todas as chefias. Algo que se fez necessário, pois com ele a comunicação é dinâmica, e sem a possibilidade de ir até a sala do colega e conversar, tornou-se imprescindível ter a resposta a alguma demanda o mais rápido possível.
O choque da volta
A administradora conta que ouviu diversos relatos de servidores com dificuldades de se readequar à velha, mas nova rotina. Com o passar de quase dois anos, foi necessário recuperar o hábito de sair de casa, pegar trânsito, ir almoçar. “Acho que isso deixou as pessoas muito deprimidas”, pontua Márcia.
Outro caso que veio à tona na volta ao presencial foi o de pais de primeira viagem. Esses, que tiveram filhos na pandemia, acostumaram-se a tê-los em casa, mesmo após os primeiros meses, e criá-los integralmente nesse ambiente. Quando se precisou voltar às dependências da Universidade, essas mães e pais tiveram dificuldades maiores de adaptação. Há também episódios de pessoas que não entendiam o porquê de precisar voltar ao trabalho in loco, “queriam permanecer em casa”, conta a gestora.
Além disso, ocorreu de alguns servidores terem mais dificuldades de executar suas tarefas do que outros, seja pelo caráter estritamente presencial de seus ofícios, seja por falta de equipamentos digitais. Ao tratar disso pessoalmente, Márcia via que, inevitavelmente, existiam situações que ainda não se sabia como lidar, muito devido à complexidade do momento e que agora devem ser pensadas com cautela.
Pela visão do trabalhador
O professor Ascísio Pereira, presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm), conta que no início do REDE, em 2020, houve desafios para os professores se adequarem às salas virtuais e demais tecnologias como os únicos meios de ensino-aprendizagem. Mesmo enfrentando obstáculos, ele admira o suporte tecnológico e de capacitações que a UFSM ofereceu.
Ao fazer um balanço dessa época, o lado que pesa para Ascísio é a falta de discussão de um processo didático-pedagógico. “Passamos a fazer avaliações diferentes e demais atividades, mas fomos descobrindo por conta própria. Poderia ter tido tanto esse apoio quanto teve o técnico”, explica. Já o que deixa a balança leve é o contato que teve com alunos de outras universidades em suas disciplinas, como de Portugal, Espanha e Moçambique. “Pessoas que trouxeram discussões teóricas, processos e experiências de pesquisa. É uma coisa que a gente deve manter, abrir espaço nas nossas aulas via conferência online”, conta o professor.
A respeito do trabalho remoto, ele, enquanto docente, é contrário. “Eu não acho positivo trabalhar disciplinas inteiramente de forma remota. O nosso contato com a sala de aula e os nossos cursos são presenciais. Videochamadas apenas como um recurso adicional”, afirma. Já quanto ao trabalho remoto para técnico-administrativos em educação, Ascísio entende que precisa haver um planejamento e assistência, visto que conhece um caso de uma servidora que está afastada por ter desenvolvido tendinite, em função de não ter os móveis adaptados. Também teme que haja sobrecarga de reuniões, devido à facilidade de marcá-las, o que afeta a saúde mental.
Quando soma-se menos com mais
Para Daniel Michelon de Carli, analista de Tecnologia da Informação da Unidade de Comunicação Integrada (Unicom) da UFSM, a obrigação de trabalhar em casa proporcionou enxergar novas formas de fazer seu serviço, ao intensificar ferramentas já utilizadas. Sobre esse processo de migração, ele conta: “Inicialmente, deparamo-nos com uma realidade em que precisávamos nos adaptar, era o momento de reconhecer, perceber, visualizar as ferramentas que deveríamos usar para fazer tudo dar certo”.
Após essa situação inicial, com a realocação da atividade para sua casa, Daniel conta que se surpreendeu ao observar que não só conseguiu manter a realização de uma quantidade de tarefas, como até aumentá-las. “Foi bastante positivo, conseguimos produzir coisas muito boas no sentido dos resultados do trabalho para a Universidade e eu vejo que existem muitas questões que podemos levar assim como um modelo novo de pensar”, relata. Em sua visão, isso se deve ao avanço da tecnologia, a qual permite a todos o acesso a conteúdos, de onde estiverem. Por exemplo, quando faltou luz em seu local de trabalho, Daniel pôde voltar a sua residência e continuar o ofício de lá, pois tem os arquivos na nuvem.
No campo das perdas e ganhos, ambos se equiparam. Isto é, na presencialidade, há momentos de contato constante entre colegas, a espontaneidade de trocar ideias e se organizar, afirma o analista. Paralelamente, essas conversas podem se tornar interrupções as quais delongam o que se está fazendo pela falta de concentração.
Para Daniel, o trabalho remoto é algo que depende da motivação de cada pessoa. No caso dele, uma das motivações é a família. Ele conta que gostaria de passar mais tempo com os familiares, além de que, ao estar por perto, pode prestar apoio em alguma necessidade. No caso do trabalho híbrido, Daniel sugere que as horas de interação e de foco podem se complementar: mantendo as trocas e os diálogos interpessoais, nos períodos presenciais, enquanto, em casa, é possível exercer as atividades com mais concentração, sem interrupções. “Assim, essa abordagem seria muito proveitosa, porque daria para pegar os pontos positivos dos dois mundos e chegar num balanço”, avalia.
Trabalho remoto x teletrabalho
A discussão sobre as novas formas de trabalho está ganhando fôlego na Instituição. No entanto, caso o modelo seja adotado, não será nos moldes do REDE, e sim numa versão estruturada e planejada. O trabalho remoto designa esse exercício emergencial, quando o profissional não tem as melhores condições no lar para trabalhar de forma 100% efetiva. Já o teletrabalho é pensado para determinadas funções, com um regimento próprio e fornecimento das necessidades do trabalhador. Márcia opina: “Eu, por exemplo, sou mais do presencial, gosto de estar na Universidade, é o meu perfil, mas sou totalmente a favor do teletrabalho para algumas funções, desde que a pessoa tenha perfil”. Aliás, quem aderir a esse processo terá que se organizar, com um espaço próprio, por exemplo, porque “não é só pegar o notebook e ir pra cama”, aponta a gestora.
Se esse sistema fosse implementado, um indicador de metas ajudaria a acompanhar as atividades do servidor, ao invés de deixá-lo “solto” em seus afazeres. Márcia salienta que, mesmo no teletrabalho, pode-se ter o próprio horário para trabalhar, desde que haja produtividade. Ademais, pode-se fazer o teletrabalho no horário de expediente, isto é, por exemplo, às 8 horas da manhã estar “a postos” para responder possíveis solicitações. “Acredito que em casa a pessoa tem mais liberdade, como poder regar a flor, fazer um mate. É algo que funciona, desde que o indivíduo goste e consiga desempenhar suas atividades”, compreende.
Nesse contexto, o analista Daniel acredita que há muitos espaços de trabalho que podem se beneficiar. Tanto a Instituição, que poderá ter seu servidor mais focado para as atribuições – até sem perder o vínculo quando esse querer realizar pós-graduação em outra Instituição – quanto ele próprio beneficiaria-se, por seus motivos pessoais, como no seu caso, de proximidade com familiares. Além disso, em casos como o seu, Daniel não vê impeditivos para essa adoção, já que cerca de 60% dos atendimentos que realiza são de forma remota, com contato via email, Whatsapp, dentre outros. Também nessa lógica, não se gastará com deslocamento e transporte para reuniões ou só para um dia rotineiro na Instituição, o qual consome tempo e gasolina.
Em relação a custos, Daniel não os teria, por já possuir uma boa estrutura necessária para realizar produções. “Já tenho uma internet de boa velocidade, um bom computador em casa, então eu não teria um gasto adicional pra fazer o teletrabalho, esse gasto já está dentro do meu contexto”, relata. Com isso, o analista é a favor do teletrabalho, visto que o mundo é mais tecnológico e o trabalho, mais dependente da tecnologia, cujo acesso fornece ferramentas às funções exercidas.
Para Daniel Coronel, essa discussão deve ser tratada com maturidade, porque o trabalho remoto foi uma alternativa que a Universidade encontrou de continuar a desenvolver suas atividades – mas ele não é home office. Se o teletrabalho receber investimentos promissores, ele concorda com Márcia, quando afirma que nele pressupõe-se uma sinergia, indicadores, metas e comprometimento no cumprimento das mesmas. “O legado do REDE foi trazer essa discussão de que, talvez, esteja na hora de repensarmos as nossas formas de trabalho”, frisa. Além disso, para o teletrabalho acontecer de fato, aspectos como a saúde das pessoas, a eficácia e a economicidade para o bem da administração pública precisam ser analisados, a fim de que a Instituição siga em pleno funcionamento para atender ao que se propõe.
Movimentos futuros
O pró-reitor de Gestão de Pessoas vê interesse por parte de alguns servidores em continuar remotamente, com vários demonstrando ter plenas capacidades para tal. Mas o gestor acredita ser necessário fazer uma discussão madura, serena e com muita responsabilidade, para que não se comece algo que não se possa dar prosseguimento.
Não obstante, Coronel entende que a Universidade entrou no modo remoto sem planejamento e, portanto, várias pessoas não estavam preparadas e adoeceram. No entanto, o que deve ser destacado é que, apesar das críticas e falhas, a UFSM não parou suas atividades e seguiu seu fluxo. “O que ocorreu não foi suficiente para parar a Universidade com sua grandeza e sua estrutura organizacional. Ela está aí, mais forte, mais vibrante, mais pulsante, e agora retornando presencialmente às suas atividades, ou seja, voltando a uma nova normalidade, a qual é, dentre outras coisas, o legado de cuidados com a saúde, para caso enfrentemos uma nova questão epidemiológica, estarmos preparados”, afirma o pró-reitor.
Em que ponto estão as discussões
A adoção do teletrabalho na UFSM atualmente está sendo avaliada por uma Comissão designada pela Portaria de Pessoal UFSM N. 1.405/2022, composta por representantes do Gabinete do Reitor, Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep), Associação dos Servidores da Universidade Federal de Santa Maria (Assufsm), Seção Sindical dos Técnicos de Nível Superior da UFSM (Atens) e Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – SM (Sinasefe).
Segundo Géssica Sório, do Núcleo de Educação e Desenvolvimento da Progep, o teletrabalho apresenta diferenças significativas se comparado ao trabalho remoto realizado durante a pandemia de Covid-19. Enquanto o trabalho remoto é compreendido como o trabalho convencional sendo realizado em casa, o teletrabalho, uma das modalidades previstas pelo Plano de Gestão e Desempenho (PGD), estabelecido pelo Decreto nº 11.072, de 17 de maio de 2022, representa uma mudança de cultura de trabalho, com a substituição dos controles de assiduidade e de pontualidade dos participantes por controle de entregas e resultados. Ou seja, os participantes deixam de registrar o ponto eletrônico e têm o seu trabalho mensurado com base no cumprimento de metas. Além disso, o PDG contempla três modalidades de execução do trabalho:
- Presencial: o participante cumpre a jornada de trabalho presencialmente em sua totalidade;
- Teletrabalho integral: o participante cumpre a jornada de trabalho remotamente em sua totalidade;
- Teletrabalho parcial: o participante cumpre parte da jornada de trabalho remotamente e parte em regime presencial, conforme cronograma específico definido com a chefia imediata.
A comissão responsável pela avaliação da implantação do PGD na UFSM definiu o seguinte cronograma de atividades:
- Coleta e análise de informações sobre o tema;
- Reuniões com representação sindical e instituições que já implementaram o PGD (Fasubra, Unifesp, UFFS e UFMA);
- Planejamento e realização de ações de divulgação/sensibilização junto aos servidores;
- Realização da consulta pública com os servidores;
- Apresentação dos resultados obtidos pela Comissão e, havendo decisão favorável pela adesão ao PGD na UFSM, elaboração de minuta de normativa e sugestão de realização de audiência pública.
No momento, a comissão encontra-se no item 3 do cronograma, sendo que a previsão de término das atividades é até o final de outubro.
No site do Programa de Gestão e Desempenho da UFSM é possível conferir as legislações existentes sobre o tema, na seção “Legislação”, e os encaminhamentos que estão sendo dados pela Comissão temporária, por meio das atas das reuniões, na seção “Transparência”.
Na próxima reportagem da série, um resumo do legado do UFSM em REDE e dos impactos da pandemia no ensino e no trabalho na Universidade.
Texto: Gabrielle Pillon, acadêmica de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Graziele Camargo Kemmerich/especial
Edição: Mariana Henriques e Ricardo Bonfanti, jornalistas