O corte de R$ 9,3 milhões no orçamento da UFSM, após mais um bloqueio de recursos do MEC pelo Governo Federal, foi o tema da audiência pública desta quinta-feira (9), no auditório do prédio 18 do campus Santa Maria. Reitoria, comunidade acadêmica, entidades sindicais e representativas da comunidade debateram os graves impactos do atual bloqueio, que compromete o funcionamento pleno da instituição, as demandas estudantis e as ações junto à comunidade regional. Entre os impactos mais preocupantes levantados na audiência estão a demissão de funcionários terceirizados e impactos diretos em ensino, pesquisa e extensão.
O cenário financeiro da universidade foi apresentado pelo reitor Luciano Schuch como um dos mais preocupantes da história da UFSM. O corte inicial anunciado no dia 27 de maio foi de mais de R$18 milhões que, após mobilização imediata, foi reduzido a R$9,3 milhões. Mesmo assim, o corte representa uma diminuição de 7,2% do orçamento que foi dos R$ 128,9 milhões definidos pela Lei Orçamentária Anual para R$119 milhões. Porém, o corte somente aprofunda a crise orçamentária vivida pelas universidades, que, mesmo sem os cortes, já tem um orçamento defasado.
Orçamento das IFES é corroído nos últimos anos
Dados da Coordenadoria de Planejamento Econômico (COPLEC) da UFSM apontam que, considerando a inflação acumulada, os valores de custeio e investimentos da universidade corresponde a apenas 41% do orçamento de 2015. Os recursos da UFSM vêm diminuindo desde a aprovação da Emenda Constitucional 95 – a emenda do teto de gastos -, que limita o ajuste do orçamento da União apenas à inflação do ano anterior.
Além de ser um dos menores patamares desde 2014, o orçamento é corroído pela inflação crescente. Considerando o acumulado dos últimos 8 anos, a COPLEC calcula que os custos reais para despesas de custeio e investimentos da universidade já está no patamar de R$285 milhões. As demandas para funcionamento de toda a comunidade acadêmica, dos centros de ensino às pró-reitorias, ultrapassam R$164 milhões. Isto significa que a UFSM já iniciou o ano de 2022 com um déficit de mais de R$38 milhões.
Corte gera desemprego e perdas para a economia regional
Em um cenário nacional de inflação galopante, aumento dos níveis de pobreza, fome e desemprego, a falta de recursos já causou a demissão de 98 servidores terceirizados só em 2022, somando-se a cerca de 291 demissões entre 2014 e 2021. Tratam-se de trabalhadores fundamentais para o funcionamento da instituição. De acordo com o reitor, um dos principais exemplos está na vigilância do campus de Santa Maria, que passou a funcionar de forma volante, com a inviabilidade de manter funcionários em todos os setores do campus. De 2016 a 2021, gastos com vigilância foram reduzidos em 63%. Já os gastos de apoio administrativo diminuíram 53 % e os de limpeza 20%. De acordo com o reitor, o que poderia ser visto como economia na realidade não é positivo para a universidade, pois contribui para a sua precarização.
Mas a política orçamentária dos últimos anos também causa impacto entre os servidores concursados. De 2016 a 2022, foram 269 servidores que deixaram a universidade. Com a extinção de cargos pelo governo federal, não há reposição para estas vagas.
Os impactos extinção de cargos, as perdas por falta de correção salarial, o corte de bolsas e os cortes no orçamento saem da universidade e atingem também toda a comunidade regional. De acordo com os cálculos da universidade, já são mais de R$232 milhões que deixam de circular na economia das regiões onde a UFSM está presente.
Ensino, pesquisa, extensão e assistência estudantil comprometidos
Desde 2020, os cortes dos órgãos de fomento em pesquisa (Capes e CNPq) já registram uma perda de 19% em bolsas. Já são 169 bolsas de mestrado e 93 de doutorado a menos, atingindo 70% dos programas de pós-graduação. Além de comprometer diretamente nas ações de pesquisa, o corte – que já chega a R$5,5 milhões ao ano – gera uma demanda cada vez maior na assistência estudantil, uma vez que os estudantes de pós-graduação perdem a sua fonte de sustento e necessitam de moradia e auxílio em alimentação. Porém, muitos desistem da carreira em pesquisa e saem em busca de alternativas no mercado de trabalho.
Os recursos em assistência estudantil, por sua vez, estão entre os que mais causam preocupação nos últimos anos. Apesar da UFSM ser destaque na América Latina em assistência estudantil, a realidade orçamentária cada vez mais preocupante. De 2015 a 2022, o orçamento destinado via Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) cresceu apenas 5,3%. No mesmo período, o valor da cesta básica cresceu 124%, segundo dados do DIEESE. Dos R$21 milhões destinados à assistência estudantil, R$18 milhões são destinados ao Restaurante Universitário, que serviu 1,9 milhões de refeições no ano.
Além disso, são 2.618 vagas em moradia estudantil e importante demanda de bolsas, que contribuem para a permanência dos estudantes. “Enquanto isso, a nossa população está empobrecendo cada vez mais, com renda mais baixa e, em consequência, cada vez mais demandas na assistência estudantil para a permanência e formatura dos nossos estudantes”, afirmou Schuch.
Para o reitor, o papel da universidade é atuar em ensino, pesquisa, extensão e internacionalização. Porém, nos últimos anos, a instituição manteve o ensino e teve dificuldade nas outras áreas. O reitor anunciou que, devido a gravidade da situação, este ano será a primeira vez que a universidade precisará tomar a decisão de cortar em ensino, pesquisa e extensão. Em anos anteriores, o orçamento ainda permitia que a UFSM tivesse sucesso em proteger o orçamento das três áreas.
Presença regional e na comunidade científica diminui
O corte atinge os quatro campi da UFSM e, portanto, as regiões dos municípios que contam com a presença da universidade também são impactadas. Em Cachoeira do Sul, a universidade espera que o MEC cumpra a pactuação de R$46 milhões destinada ao pleno funcionamento do novo campus. São mais de mil estudantes que necessitam das melhorias que só podem ser realizadas se o MEC cumpra a sua parte.
Alguns projetos de repercussão direta na Sociedade estão comprometidos, como o Geoparque Quarta Colônia programa de desenvolvimento regional com apoio da UFSM, a implantação do Parque ExpoAgroindustrial, feira do agronegócio focada na interação entre pesquisa na universidade e o setor produtivo, além do corte de R$2,35 milhões em projetos de integração com a sociedade e pesquisas (FIEX, FIEN e FIPE). Fomento à extensão com demandas solicitadas pelos municípios que fazem partes dos COREDEs, o Programa UFSM em Rede com a Educação Básica e também a edição 2022 do Descubra UFSM também estão ameaçados.
A defasagem orçamentária tem comprometido a realização de projetos de impacto, como o Parque de Inovação, Ciência e Tecnologia, que já está com projeto pronto, e a revitalização do prédio da Antiga Reitoria no centro de Santa Maria, que prevê espaços de coworking, empresas incubadas, além da criação de um espaço aberto de lazer no antigo “garajão”.
A própria interação da universidade com a comunidade científica nacional e internacional está prejudicada. Este ano, participações em congressos e competições científicas foram cortados. Por outro lado, a universidade não terá condições de sediar nenhum grande evento científico.
Mobilização pelo orçamento continuam em calendário nacional
Desde 27 de maio, data do anúncio do bloqueio de parte do orçamento, as IFES têm realizado uma mobilização constante. De 30 de maio a 6 de junho, a gestão da UFSM realizou reuniões com entidades sindicais e estudantis, Andifes, MEC e Casa Civil. Outras entidades como SBPC, Andes, Fasubra, UNE, ANPG e Proifes também foram mobilizadas. No último dia 3, o MEC reduziu o valor do corte pela metade, o que não ameniza as dificuldades de um orçamento que não atende ao ano.
Em mediação da Sedufsm entre UFSM e Câmara de Vereadores de Santa Maria, foi marcada uma nova audiência pública para acontecer no dia 20 de junho, no plenário na Câmara, com objetivo de conscientizar e mobilizar a população de Santa Maria.
Reportagem: Davi Pereira
Fotografia: Mirella Joels