Nos últimos anos, a agenda da agricultura sustentável tem desafiado pesquisadores e produtores a fomentar a produção de alimentos saudáveis, que ajudem a melhorar e manter os ecossistemas e proporcionem melhorias progressivas na qualidade dos solos. Ao mesmo tempo, encontrar alternativas para a incorporação da agricultura familiar no mercado, fornecendo produtos com segurança alimentar para a população, também tem sido um grande desafio.
É neste contexto que o Grupo de Pesquisa em Arroz Irrigado e Uso Alternativo de Várzeas, da Universidade Federal de Santa Maria (GPAI-UFSM), coordenado pelo Professor Ênio Marchesan, tem buscado alternativas de produção que proporcionem esse acesso para os agricultores familiares, ainda em produção convencional, mas que buscam processos de transição para uma produção orgânica. O desafio está em encontrar opções tecnológicas que permitam que o agricultor aprenda a produzir de outra forma e que, ao mesmo tempo, permita a obtenção de um alimento diferenciado dos demais, com agregação de valor e, consequentemente, maior capacidade de geração de renda, especialmente em pequenas áreas.
Ênio conta que o projeto começou porque parte dos pequenos produtores de arroz estavam perdendo sua competitividade e, por essa razão, buscaram alternativas para agregar valor à produção por meio de um sistema diferenciado e um tipo especial de arroz. Segundo o professor, existe um público específico que se interessa em consumir um produto com a certeza de que nele não foi aplicado nenhum defensivo químico, também chamados de agrotóxicos. O projeto de produção do arroz sem o uso de defensivos agrícolas nasceu, nesse contexto, no ano de 2016, partindo da realidade dos agricultores familiares para então chegar a um sistema de produção orgânico. Nesse processo, havia dois empecilhos principais: um relacionado ao controle de ervas daninhas – a matocompetição – e outro relacionado à nutrição de plantas, para que crescessem saudáveis com fertilizantes orgânicos.
Para alcançar esses objetivos, migrou-se para o sistema chamado “sem uso de defensivos químicos”, no qual, para atender a demanda nutricional das plantas, é permitido utilizar os fertilizantes minerais, e, por outro lado, não se aplica o uso de inseticidas, fungicidas e herbicidas, buscando qualificar práticas de manejo e controle biológico. Tudo é visto num processo em contrução, sendo que os próprios fertilizantes minerais possam ir sendo substituídos por fertilizantes orgânicos. Para o coordenador do projeto, novas dificuldades podem aparecer além das que eles já conhecem, por esse motivo, a pesquisa para atender essas necessidades é sempre uma grande aliada. O professor Gustavo Pinto da Silva, coordenador da PoliFeira do Agricultor, parceira do projeto desde 2018, salienta que, depois de produzido na área da Várzea, esse arroz tem tido boa aceitação dos consumidores, mesmo ainda sendo comercializado somente nas feiras livres.
Além da produção experimental na área da Várzea na UFSM, este ano o projeto contou com áreas demonstrativas dos agricultores Moisés Augusto Prochnow e Marlon Descovi, em Dona Francisca, e Nicolau Bulegon em São João do Polêsine, produtores que foram convidados a participar do projeto por meio de reuniões organizadas pela Gerência Regional da Emater/RS-ASCAR, que também é participante do projeto. Os agricultores alcançaram, na última colheita, resultados animadores com seu plantio. Segundo o assistente técnico da Emater Regional Santa Maria, Luis Fernando Oliveira, além de todo o aporte da pesquisa e técnicas, o clima também colaborou para chegar a esse patamar.
Também participaram da iniciativa o Instituto Riograndense de Arroz (IRGA), o Grupo Meta de Desenvolvimento Agrícola de Agudo, a Cooperativa Camnpal de Nova Palma, a Prefeitura de Dona Francisca, a Prefeitura de Faxinal do Soturno e a Cooperativa de Produção e Desenvolvimento Rural dos Agricultores Familiares de Santa Maria – RS (COOPERCEDRO). Os agricultores receberam visitas técnicas durante todo o ciclo produtivo, assim, as dificuldades iam sendo superadas e os objetivos readequados na medida em que surgiam. Até agora, os agricultores estão satisfeitos com o resultado e já prospectando as próximas safras, afirma o técnico da Emater de Dona Francisca, Dorli Elso Barrichello.
Pesquisa e manejo diferenciado para novos sistemas de produção
Os resultados demonstraram que as tecnologias utilizadas foram eficientes para que a produção de arroz sem defensivos químicos aconteça com um rendimento surpreendente e se possa fornecer ao consumidor um produto de maior qualidade em comparação ao arroz convencional. Segundo Luís Fernando Oliveira, Assistente Técnico Regional da Emater, a condução da lavoura sem uso de químicos tem que estar aliada a uma série de manejos diferenciados para obtenção de bons resultados, tais como o manejo integrado de pragas, quando se busca potencializar a ação da comunidade biológica e o controle natural das pragas e doenças. Em uma lavoura convencional isso não acontece, já que com a utilização dos agrotóxicos, os inimigos naturais também acabam se extinguindo. Essa ação também possibilita um menor custo de produção, já que não se utilizam químicos no combate às pragas.
Para Gustavo Pinto, professor da Universidade Federal de Santa Maria e coordenador da PoliFeira, o desafio é criar estágios de desenvolvimento em torno de sistemas de produção melhores, e a Universidade não pode se eximir de estar nesse contexto. Por esse motivo, o projeto tem uma visão que se relaciona com essa ação: “Aquilo que é produzido dentro da universidade, em termos de conhecimento, necessariamente precisa chegar até os agricultores. A proposta é transbordar para além da universidade o conhecimento que é produzido, construído, testado e avaliado dentro das condições dos agricultores, neste caso, na região da Quarta Colônia dos arredores de Santa Maria, que abriga a maioria dos pequenos produtores de arroz”, afirma o professor.
Outra questão a ser salientada é o fato de que esses agricultores não podem ser abandonados na hora de buscar novos mercados, etapa que será desenvolvida pela Coopercedro, que buscará mercados dispostos a pagar pelo menos 20% a mais do que os estabelecimentos convencionais. Tal valor será repassado para os agricultores familiares participantes, dando uma resposta concreta para o problema de geração de alternativas com renda, como esclarece o presidente da Cooperativa, Fernando dos Santos Lima.
Evento de lançamento e pontos de venda
O arroz estará à disposição dos consumidores a partir do dia 13 de maio no Armazém da Coopercedro, na Praça Saturnino de Brito, onde acontecerá, às 11h, o evento de lançamento. Além do Armazém, o arroz também será comercializado na PoliFeira, que acontece às terças no Largo do Planetário, no campus da UFSM, e às quintas-feiras na Avenida Roraima. Segundo o produtor Moisés, participante do projeto, quem provar desse grão perceberá o diferencial de preparar um arroz de somente uma cultura, com o requinte da garantia de não apresentar resíduos de pesticidas agrícolas. Tais resultados são testados e garantidos pelo Laboratório de Análise de Pesticidas da Universidade Federal de Santa Maria (LARP-UFSM), também parceiro do projeto.
Reportagem e foto: Júlia Petenon, bolsista de jornalismo da PoliFeira
Edição e revisão: Giuliana Seerig, jornalista da Assessoria de Comunicação do Colégio Politécnico.