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Projeto da UFSM reconstrói digitalmente o interior da Boate Kiss e poderá ser utilizado no julgamento do caso

Pesquisadora à frente do projeto já trabalhou em plataforma semelhante para julgamento relacionado aos crimes da ditadura argentina. Será a 1ª vez que o dispositivo será usado em tribunal do Brasil.



Projeto é um exemplo de como as a articulação entre as Ciências Sociais e o campo das tecnologias digitais podem resultar em produtos de alto impacto social. (Reprodução)

Um software que reconstrói o interior da boate Kiss em 3D poderá ser utilizado durante o julgamento pelo tribunal júri, previsto para começar em 1º de dezembro. A professora Dra. Virginia Vecchioli, antropóloga e docente dos programas de pós-graduação em Ciências Sociais e em Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Santa Maria, é quem coordena a pesquisa. 

Na UFSM, a professora desenvolve projetos de pesquisa e extensão voltados para a área da antropologia do direito e da antropologia da política. Voltando sua atuação tanto para o estudo do espaço profissional do direito, para os movimentos sociais de familiares de vítimas como para a área da memória coletiva. Segundo Vecchioli,“todos esses interesses se concentraram na realização deste dispositivo interativo digital que pela primeira vez no Brasil vai permitir que a cena do crime ingresse no plenário do júri e auxilie no trabalho da justiça”. 

Ela ressalta ainda que esse dispositivo se torna ainda mais relevante agora que o caso foi levado da comarca de Santa Maria para Porto Alegre. O projeto começou a ser planejado e idealizado em julho de 2021 e foi concluído em novembro de 2021. Do ponto de vista técnico, o processo começou com o modelo em 3D realizado pelo Instituto de Criminalística da Policia Civil do Distrito Federal, que em fevereiro de 2013 havia escaneado digitalmente a maior parte do interior da boate.

A equipe que realizou o projeto trabalhou também com base na grande quantidade de material fotográfico e audiovisual. O Ministério Publico disponibilizou a íntegra do processo, que é de domínio público, onde foram analisadas as mais de 90 pastas de documentos escritos, fotográficos e audiovisuais. A análise das mais de 20. 000 folhas, permitiu conferir à reconstrução em seu caráter fidedigno.  Assim, foi possível que do modelo original da boate fossem recriados os 3 ambientes faltantes, bem como inserir os detalhes do seu interior, como o design, os objetos, as texturas, a iluminação. Por último todo o trabalho foi exportado para um motor interativo, de modo que o usuário pode percorrer o interior de todos os ambientes. 

Uma curiosidade do projeto é que foi criada a possibilidade de percorrer o interior do local com a luz escassa, própria da casa noturna e com outra opção, desenvolvida especialmente para o júri, que tem a quantidade de luz suficiente para poder observar em detalhes todos os problemas que haviam no local. Virginia afirma que, do ponto de vista ético, é uma responsabilidade muito grande pois envolve vidas das pessoas protagonistas do caso, tanto dos réus quanto dos familiares das vítimas. Por isso, houve um cuidado extremo na verificação de cada um dos dados inseridos no dispositivo interativo. 

Na sua realização, foi montada uma equipe coordenada pela professora Virginia e integrada pelo arquiteto Lucas Oliveira Kolton e as bolsistas e estudantes voluntárias Laura Perim Luccca, Susana Bellinaso, Andressa Hinkelmann e Tauani Bisognin Ramos. Além de um assessor externo, o arquiteto Felipe Zenna Mota, responsável do desenho do futuro memorial físico da boate Kiss e Martin Malamud, responsável pelo de Huella Digital (Argentina) Segundo a professora, “depois que o júri finalizar, queremos continuar trabalhando sobre o dispositivo interativo para poder disponibilizar ele na internet e que seja de acesso de todos. Queremos também o integrar a um memorial virtual que estou desenvolvendo como projeto de extensão na UFSM”.

Não é a primeira vez que um projeto da professora é acrescentado a um processo criminal. Um dispositivo interativo digital parecido com o que será utilizado no Juri da Kiss, recriou El Campito (localizado na guarnição Campo de Mayo), considerado o maior centro de detenção e repressão da ditadura militar argentina. Esta recriação foi usada como elemento de prova em julgamento na Argentina.

A professora Virginia Ressalta a importância social desses dispositivos de pesquisa: “Uma dimensão que quero colocar em destaque tem a ver com a contribuição das ciências sociais na produção de produtos de alto impacto social. A articulação inovadora entre pesquisadores com experiência na área das ciências sociais junto a pessoas formadas no uso das tecnologias digitais e interativas permite recriar a cena do crime quando estes espaços foram propositalmente derrubados – como no caso da ditadura argentina – ou deteriorados como no caso da Kiss. O que estes trabalhos permitem é concentrar todos os esforços em um único objetivo: a recriação do espaço. Todos os detalhes espalhados nos testemunhos, nas fotografias e nos vídeos cobram um sentido novo: sua confluência da conta da verdade dos fatos trágicos acontecidos.” A professora Virginia Vecchioli agradece ainda a confiança depositada nela pelo gabinete do Reitor, que abraçou a iniciativa permitindo contar com bolsas para a pesquisa. Além de um agradecimento equivalente aos promotores do caso que também confiaram em sua pericia profissional. 

Repórter: Katiana Campeol, estagiária de Jornalismo na Agência de Notícias da UFSM
Edição: Davi Pereira

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