A Universidade Federal de Santa Maria, desde o início da pandemia de Covid-19, vem se destacando como uma das instituições brasileiras que mais tem contribuído em pesquisas relacionadas a vacinas contra o coronavírus. O primeiro trabalho neste sentido foi voltado à vacina AstraZeneca, desenvolvida pela farmacêutica britânica em parceria com a Universidade de Oxford.
O empenho do médico infectologista e professor do Departamento de Clínica Médica do Centro de Ciências da Saúde (CCS) Alexandre Vargas Schwarzbold foi destacado em reportagem de revista de circulação nacional publicada em agosto: o professor da UFSM é apresentado como “um dos sete cientistas brasileiros no coração do estudo da vacina de Oxford”.
Passado um ano e meio do início da pandemia, a UFSM segue contribuindo para estudos de vacinas contra a Covid-19. Depois da AstraZeneca, uma segunda vacina, desenvolvida pela farmacêutica Clover Biopharmaceuticals, também conta com a participação da UFSM em seus testes. Ambas fazem parte da iniciativa Covax Facility, criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para distribuir as vacinas de modo mais equitável no mundo.
Atualmente, a vacina da Clover Biopharmaceutical está com os testes da segunda dose em andamento. Os dados preliminares se aproximam de 90% de eficácia. A vacina contém uma proteína recombinante que simula o funcionamento do coronavírus na infecção para criar anticorpos. O Brasil já possui 42 milhões de doses adquiridas pelo consórcio Covax Facility e conta com 12,1 mil voluntários para avaliar a eficácia da vacina, com centros localizados em Santa Maria, Porto Alegre, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que um bilhão de pessoas sejam vacinadas com a Clover em todo o mundo.
A expectativa é de que nas próximas semanas os dados dos resultados preliminares estarão prontos. A Clover se destaca por ser uma vacina que apresenta poucos efeitos colaterais, o que abre a possibilidade para a aplicação em crianças no futuro. O professor comentou, no primeiro episódio do podcast “Compartilha CCS!”, que a equipe se frustrou com a demora, por parte da Anvisa, para autorizar o início do ensaio. A liberação ocorreu apenas em abril, com o início do ensaio em maio. O processo envolve diversas questões, como procedimentos de rigor científico e de segurança.
“O Brasil foi um país importantíssimo para que essa vacina saísse”
Sobre o estudo referente à vacina AstraZeneca, cuja participação da UFSM é reconhecida nacionalmente, Alexandre relata que a oportunidade de integrar a equipe surgiu a partir do contato com a coordenadora do estudo no Brasil, Sue Ann Clemens. O primeiro contato foi realizado no início de 2020, assim que surgiu a informação do estudo da vacina de Oxford. O projeto já estava em desenvolvimento na Unifesp, em São Paulo, e houve a necessidade de abertura de novos centros para atingir o número necessário para a análise de eficácia da vacina.
Cerca de um mês depois, Alexandre teve o desafio de identificar novos centros. O tempo era curto e as vacinas desenvolvidas em Oxford já estavam disponíveis para serem testadas. Depois disso, o centro de pesquisa do professor foi validado e incorporado no grupo mundial de pesquisa, chamado “Oxford trial”. “O Brasil foi um país importantíssimo para que essa vacina saísse, porque nós tivemos o maior número de pacientes inscritos, foram 10.300 participantes no tempo recorde de quatro semanas. Com isso se conseguiu fazer uma análise de eficácia. Hoje ela é a vacina mais utilizada no mundo, são mais de 172 países e mais de um bilhão de pessoas que utilizam a vacina de Oxford”, comenta Alexandre.
Ele relata que o principal desafio no desenvolvimento deste estudo foi a questão do tempo recorde para recrutar milhares de pessoas sem erro de protocolo e procedimento, garantindo segurança para os participantes. No início do protocolo, cada participante ficava quase uma hora com a equipe, com o acompanhamento próximo de uma série de procedimentos, desde medida de sinais vitais, preenchimento de questionários, coleta de sangue, entre outros.
“Identificar mais de mil pessoas, em quatro semanas, com uma equipe de 50 pessoas, foi desafiador para a equipe”, relembra. A análise de eficácia da vacina é feita a partir do número de pessoas que foram acompanhadas e que, durante o estudo, testaram positivo. Ou seja, o número de participantes infectados comparados com participantes não infectados, que mostra a eficácia da mesma na comparação dos grupos controles e que tomaram a vacina. Tudo isso é feito numa base de dados com milhares de pessoas, e a partir disso se faz uma análise estatística.
O estudo foi desenvolvido com as variantes originais do coronavírus, como a alfa e, por um período, a gama. A variante delta não estava no país durante uma boa parte do estudo, mas está sendo estudada nesse momento. O professor garante que isso não teve impacto do ponto de vista de análise de eficácia, o que é dúvida de muitas pessoas.
Para professor, potencial da UFSM está documentado
Alexandre salienta que o reconhecimento da UFSM como centro potencial para aplicação de estudos de vacinas é o maior ganho do ponto de vista da Instituição, principalmente pelo vínculo criado com a Universidade de Oxford, proporcionando uma possível participação futura em pesquisas e ensaios, já que o potencial da Universidade está documentado.
No podcast “Compartilha CCS!”, Alexandre explicou como funciona o processo relacionado às vacinas. Para desenvolver um ensaio clínico, é necessário que uma equipe seja montada e coordenada por um profissional com expertise em boas práticas clínicas de pesquisa clínica. O investigador principal fica encarregado de supervisionar toda a equipe, identificar a correção de todos os procedimentos realizados, os prazos, e garantir que tudo está ocorrendo de modo adequado e seguro. Uma série de aspectos clínicos, éticos e de tomada de decisões, visando à segurança dos pacientes, é levada em conta. Esse pesquisador fica responsável por supervisionar cada detalhe do processo, desde o momento da seleção dos participantes no estudo, da aplicação da vacina nos voluntários, até o acompanhamento pós-procedimento.
Texto: Vitória Parise, acadêmica de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias da UFSM
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista
Fotografia: Rafael Happke