Um estudo publicado nesta segunda-feira (2) no periódico europeu Journal of Anatomy apresentou a reconstrução do cérebro realizada pelos paleontólogos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Rodrigo T. Müller, José D. Ferreira, Flávio A. Pretto, Leonardo Kerber e o paleontólogo da USP Mario Bronzati.
O estudo do cérebro de animais extintos ajuda a entender os seus hábitos comportamentais. Entretanto, tecidos moles, como o cérebro, geralmente não se preservam por muito tempo. Portanto, para reconstruir a forma do cérebro de animais fossilizados, os pesquisadores analisam as cavidades do crânio com auxílio de tomografias computadorizadas. Para isto, é necessário que a região do crânio chamada de neurocrânio esteja bem preservada, pois é ela que envolve o cérebro.
Até pouco tempo atrás não existiam neurocrânios completos e bem preservados dos mais antigos dinossauros do mundo, os quais são encontrados no Sul do Brasil e na Argentina. Entretanto, em 2015, o paleontólogo do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (Cappa) da UFSM Rodrigo Temp Müller descobriu um esqueleto fossilizado quase completo no município de São João do Polêsine. Este esqueleto com cerca de 233 milhões de anos pertence a um pequeno dinossauro chamado de Buriolestes schultzi e apresenta um neurocrânio muito bem preservado. A partir dessa estrutura, os pesquisadores puderam reconstruir o primeiro cérebro completo de um dos dinossauros mais antigos do mundo.
O cérebro do Buriolestes schultzi é relativamente pequeno, com cerca de 1,5 gramas, ligeiramente mais leve do que uma ervilha. Além disso, a forma do cérebro apresenta um padrão bastante primitivo, lembrando o de um crocodilo. A presença de certas estruturas bem desenvolvidas na região chamada de cerebelo indica que o Buriolestes schultzi foi um caçador capaz de rastrear suas presas fazendo uso de uma visão aguçada. Por outro lado, a capacidade olfativa do dinossauro parece não ter sido muito desenvolvida.
Apesar de se tratar de um pequeno animal carnívoro, o Buriolestes schultzi pertence a linhagem que originou os dinossauros gigantes herbívoros de pescoço longo, chamados de saurópodes (Diplodocus e Brachiosaurus, por exemplo), os quais foram os maiores animais que já andaram sobre a Terra. Porém, o Buriolestes schultzi é considerado como o membro mais primitivo desta linhagem. Assim, comparando o cérebro dele com o dos saurópodes, é possível entender como a linhagem evoluiu.
Uma das tendências evolutivas que mais chamou a atenção foi o aumento dos bulbos olfatórios. Enquanto que essas estruturas responsáveis pela capacidade de sentir os cheiros são pequenas no cérebro do Buriolestes schultzi, nos saurópodes elas são bastante desenvolvidas. O desenvolvimento de um olfato aguçado pode estar relacionado com o aumento na complexidade dos hábitos sociais dos saurópodes. Entretanto, a capacidade olfativa também pode ter ajudado estes animais a reconhecer plantas potencialmente tóxicas ou mesmo detectar a aproximação de predadores.
O estudo ainda apresentou a estimativa da “capacidade cognitiva” do Buriolestes schultzi. Através de cálculos que envolvem o volume cerebral e o peso corporal, é possível estimar o grau de “inteligência” de animais extintos, esse valor é chamado de coeficiente de encefalização. O coeficiente de encefalização do Buriolestes schultzi revelou-se maior do que o dos dinossauros saurópodes, sugerindo um declínio na encefalização nesta linhagem. Este é um fato intrigante, uma vez que muitas linhagens de vertebrados tendem a aumentar a encefalização ao longo do tempo. Por outro lado, observou-se que o valor encontrado para Buriolestes schultzi é menor do que o de dinossauros carnívoros encontrados em rochas menos antigas, como o Tyrannosaurus e o Velociraptor.
Por se tratar do primeiro cérebro completo de um dos dinossauros mais antigos do mundo, este passará a ser adotado como modelo para futuras estudos anatômicos e propostas evolutivas, reforçando mais uma vez a importância da paleontologia e dos fósseis do Sul do Brasil.
Arte: Márcio L. Castro
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