Apesar da distância geográfica entre Brasil e Moçambique, país africano de língua portuguesa, os dois Estados apresentam semelhanças quando se fala em processo eleitoral, gestão da Covid-19, produção, circulação e consumo de notícias jornalísticas. Os pontos em comum foram destacados e debatidos pelo professor moçambicano Ernesto Nhanale, da Escola Superior de Jornalismo e da Universidade Pedagógica de Maputo, convidado para proferir a aula magna do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (Poscom) da UFSM na última quinta-feira (22), em uma live transmitida no YouTube.
Durante a palestra, intitulada “Liberdade de Imprensa em Democracias Fragilizadas”, o professor enfatizou que liberdade de imprensa é considerada elemento básico para as sociedades democráticas, mas que embora os dois países tenham a vontade popular e o respeito às liberdades individuais como princípios constitucionais, nem sempre esses são respeitados na prática dos poderes instituídos.
O problema se agrava ainda mais, segundo o professor, quando os mesmos grupos que detém os poderes econômicos e políticos controlam os principais veículos de mídia no país, uma vez que essa não pode ser compreendida fora do contexto político, econômico, tecnológico, profissional e legal em que ela opera. Uma outra ameaça à democracia se apresenta quando os governantes apresentam uma inclinação autoritária, com atitudes de cerceamento da liberdade de imprensa e manipulação dos grupos de mídia.
Uma das questões que têm ganhado bastante espaço no Brasil também foi debatida na aula magna: as fake news. O professor Ernesto Nhanale chamou a atenção para como redes sociais – o Facebook, por exemplo – aparentam ser um espaço democrático quando, na realidade, não o são. “As redes sociais são um espaço de ódio e polarização”, destacou ele, refletindo sobre a existência de uma forte oposição entre discursos, sem que haja um ambiente de debate equilibrado e sem a criação de alternativas ou espaços políticos para novos programas. Assim, as redes acabam promovendo ainda mais ódio e violência.
O professor destacou, além disso, a importância da profissionalização do jornalismo. Em um contexto de desordem informativa “o jornalismo surge como uma salvação”, afirmou Nhanale, uma vez que quanto mais baixos os níveis de profissionalização do jornalismo, mais elevado é o nível de desinformação de uma sociedade, o que é um risco alto para a democracia. Os meios de comunicação têm obrigações para com a sociedade e não devem atender a fins privados, mas sim atuar como defensores dos interesses públicos.
A participação do professor moçambicano na aula magna do Poscom-UFSM foi fruto das atividades do Acordo de Cooperação Internacional Brasil-Moçambique, firmado entre a UFSM e a Universidade Pedagógica de Maputo (UP), cujas atividades no Brasil são coordenadas pela professora Rosane Rosa, através do projeto Educomunicação Intercultural.
A live foi mediada pela professora Vera Martins (UFSM/FW), egressa do Poscom, que fez estágio de doutorado-sanduíche em Moçambique, na Universidade Pedagógica de Maputo. No chat do evento, estudantes, professores e demais interessados no tema, do Brasil e de Moçambique, fizeram perguntas e reflexões sobre a relevante temática aos cidadãos dos dois países.
O estudante do último ano do curso de Jornalismo da UFSM Rubens Guilherme Santos afirma que “a aula magna ministrada pelo professor Ernesto Nhanale foi uma grande oportunidade de compreendermos como os ataques à liberdade de imprensa e a censura, características de governos autoritários, tornam-se ainda mais constantes em tempos de pandemia, quando a condução da crise sanitária por parte dos governantes se evidencia. Outro ponto que me chamou a atenção, especialmente sobre Moçambique, foi a diversidade linguística, ponto destacado pelo professor, como uma necessidade para a garantia da participação de toda a população moçambicana no processo comunicativo, tendo em vista as dezenas de línguas faladas no país”.
Para Calisto Comé, estudante moçambicano que cursa o doutorado no Poscom-UFSM, a interação entre os dois países é necessária não só para que haja um fortalecimento mútuo das democracias, mas também para que alguns jornalistas brasileiros possam inspirar os profissionais de Moçambique a terem comportamentos mais ousados e inquisitivos junto aos governantes.
A organização da aula magna ficou a cargo da coordenação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação juntamente da equipe do #PoscomJuntesEmCasa, projeto que busca promover a interação entre docentes, estudantes e pesquisadores durante o período de aulas remotas.
A live está disponível no canal do Poscom no YouTube.
Texto e edição: Alice Bianchini Pavanello, Camila Rodrigues Pereira, Camila Hartmann e Marilice Daronco, da Comissão de Publicização do Poscom
Foto: Reprodução