Docente do Centro de Educação Física e Desporto (CEFD), o professor Felipe Barreto Schuch participou recentemente da produção de um artigo escrito por pesquisadores de diferentes países. O artigo intitulado “Precisamos de orientações de atividade física para a saúde mental: o que a evidência nos diz?” (Do we need physical activity guidelines for mental health: What does the evidence tell us?), publicado no dia 21 de novembro, contou com a colaboração de seis autores.
Além de Schuch, são também autores cinco pesquisadores de universidades australianas: Megan Teychenne (da Deakin University), Simon Rosenbaum (da University of New South Wales), Jason Bennie (da University of Southern Queensland), Rhiannon White e Justin Richards (ambos da Sydney University).
O docente da UFSM faz parte de um grupo internacional de pesquisadores do qual fazem parte ainda os professores Davy Vancampfort (da Katholieke Universiteit Leuven, da Bélgica) e Philip Ward (também da University of New South Wales), além de três professores de universidades britânicas: Brendon Stubbs (do King’s College), Joseph Firth (da University of Manchester) e Lee Smith (da Anglia Ruskin University).
O professor Felipe Schuch dá aulas na UFSM desde o primeiro semestre de 2019, tem 34 anos e já tem 90 artigos publicados. Na entrevista a seguir, ele detalha a pesquisa elaborada e a relação com os pesquisadores estrangeiros.
Como ocorre o contato com autores de outros países?
Na verdade eu já trabalho com um autor deles desde 2015, porque começamos trabalhando para um projeto maior chamado Simpaq (Simple Physical Activity Questionnaire), que envolve 23 países. O artigo final deve ser publicado, acredito, já no início do ano que vem. Eu e o Simon fomos uns dos coordenadores e a partir daí passamos a fazer vários trabalhos juntos. Ele já veio para o Brasil duas vezes, eu já fui para a Austrália quatro vezes. A gente tem um intercâmbio bem forte. Temos pensado em vários projetos, tanto artigos de revisão como dados originais e editoriais, como é o caso desse.
A Lee eu conheci no congresso deste ano na República Tcheca. Eu apresentei, ela estava lá, então conversamos sobre essa ideia (de produzir o artigo). Como o Simon estava lá também, a gente começou a projetar o artigo. A gente consegue trabalhar bem à distância: cada um faz um documento e vamos incorporando, com discussões e sugestões.
Por que essa temática da saúde mental em relação à atividade física?
A temática tem sido valorizada e ganhado substância nos últimos anos. O número de evidências e a qualidade delas vêm aumentando significativamente nos últimos dez anos. Tem muito mais gente pesquisando e as pesquisas têm sido muito mais bem feitas, com um rigor metodológico maior, com amostras maiores.
Essa é uma área que eu pesquiso desde 2009, quando eu entrei no mestrado, e o que a gente tem visto é que os efeitos já estão bem estabelecidos. A gente tem efeitos importantes. Claro que isso não vai resolver todos os problemas do mundo, todos os sintomas de depressão das pessoas, por exemplo. Mas são importantes estratégias complementares para a saúde física e mental. Só que tem uma coisa que a gente viu, e que esse artigo trata especificamente, é que a literatura não tem se preocupado em tentar promover o exercício físico considerando as necessidades, não só específicas da população, mas a promoção do bem-estar. Por exemplo, você teoricamente tem que praticar 150 minutos de atividade física moderada vigorosa por semana. Isso é recomendação universal.
Porém, a gente sabe que, para pessoas com transtornos mentais, essa meta é muito alta, infactível. Pega a população de pessoas com esquizofrenia, por exemplo. Eles têm altas taxas de obesidade, de baixo nível de atividade física ao longo da vida, que quando tu propõe uma dose dessas, ela é algo completamente inalcançável num primeiro momento. Esse é um dos pontos. O que a gente argumenta é que talvez essa dose tem que ser a partir das características daquele indivíduo, ser mais personalizada.
Outro ponto é que muitas vezes a taxa de abandono de exercício da população em geral, em um ano, é de 80%. Na população psiquiátrica não é muito diferente. Ela até é um pouco maior, porque as pessoas têm mais barreiras para a adoção desse comportamento. Mas a gente tem bem claro na literatura com outros estudos de um colega nosso, o Davy Vancampfort, que diz que a motivação autônoma é o segredo para o sucesso na manutenção do comportamento a longo prazo. A motivação autônoma é aquela razão pessoal pela qual a pessoa se mantém num comportamento sem influência externa, assim ele se motiva. É a pessoa que faz exercício porque gosta, porque se sente bem e porque entende que aquilo é importante. É diferente do que está fazendo porque o médico mandou. Isso é um motivo externo.
Mas para gostar de fazer um exercício, tem que saber qual é o melhor tipo e a melhor intensidade para si. Assim, antes de a gente pensar nos 150 minutos semanais, vamos primeiro pensar no que cada um mais gosta de fazer. Dentro disso, planejar aumentar a intensidade para alcançar as recomendações. Para pensar em atividades para pessoas sedentárias, é preciso primeiro quebrar o sedentarismo, que já é um grande passo.
Qual a relação da saúde física com a saúde mental?
Há vários efeitos bem demonstrados. Nós publicamos uma série de artigos nos últimos anos mostrando, por exemplo, que pessoas mais ativas têm menos chance de desenvolver depressão e ansiedade. Temos evidências bem fortes disso. A literatura também tem amostras que a atividade física consegue aliviar os sintomas dos transtornos dos mais variados espectros. Tem também uma série de outros benefícios em melhora da cognição, como memória e atenção, em pessoas com esquizofrenia, depressão ou com transtorno bipolar.
O que se pode destacar do artigo especificamente?
Nele a gente discute a necessidade de considerar uma prescrição mais voltada e mais adaptada, concedendo mais valor para o entendimento pessoal do indivíduo e de qual seria a melhor atividade, que ele mais gostaria de fazer. A nossa luta é que a comunidade incorpore essa recomendação de que 150 minutos tem o seu valor, mas, antes disso, tem que saber o que a pessoa gosta e aceita fazer, ter uma resposta afetiva.
O artigo vai ser apresentado em algum lugar?
Sim. Ele vai ser um editorial do jornal Mental Health and Physical Activity e ele já foi apresentado no congresso na Austrália e em alguns outros a gente vai trazer essa informação também. Mas ele foi discutido no congresso da Austrália.
O que você projeta para futuras pesquisas suas?
Como eu já trabalho nessa temática há 10 anos, a gente tem uma série de outros estudos sendo conduzidos. Atualmente eu estou voltado um pouco mais para entender e medir qual é o fator protetor que a atividade física tem na prevenção da incidência de transtornos mentais. A literatura vem discutindo muito qual é o efeito, porque transtornos mentais são doenças com múltiplos fatores de risco, e a gente quer entender o quanto uma pessoa que faz (atividade física) diminui a chance, até porque não existe fator de proteção 100%. A gente fez já o cálculo para depressão e constatou que a atividade física previne até 20% do risco.
Quando você fala “a gente”, refere-se a esse grupo de pesquisadores?
Sim. A gente tem essa rede bem forte de colaboradores. Essa rede é bem legal. O núcleo dela é composto por mim, pelo Simon Rosenbaum, pelo Philip Ward, pelo Davy Vancampfort e pelo Brendon Stubbs. Cada um de um canto diferente do mundo. Mas a cada congresso a gente se reúne para produzir e debater.
Texto: Juan Grings, acadêmico de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Lucas Casali