A cidade que tem como um dos seus símbolos naturais o vento norte já testemunhou várias vezes o poder de destruição dessa força da natureza quando ela atinge velocidades próximas a 70 km/h, derrubando árvores e quebrando vidraças por todo o município. Instalado em meados de fevereiro no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Engenharia Elétrica (Nupedee), no Pavilhão de Laboratórios do Centro de Tecnologia (CTLab), um dispositivo projetado por professores, alunos e colaboradores do curso de Engenharia Aeroespacial da UFSM tem a capacidade de produzir, de forma artificial e controlada, ventos de aproximadamente 200 km/h. Porém, ao invés da destruição, seu objetivo é construir conhecimento em uma área que, graças à Base Aérea, é outro símbolo de Santa Maria: a aviação.
Os túneis de vento aerodinâmicos servem para simular o escoamento do ar e avaliar o desempenho, nessas circunstâncias, de modelos – construídos em escala – de aviões, helicópteros e espaçonaves, mas também de veículos terrestres (principalmente os de alta performance) como carros, motos e até mesmo bicicletas. Também existem outras categorias de túneis de vento, destinadas a aplicações variadas. Nos túneis de camada limite, por exemplo, é comum ensaiar maquetes de projetos de engenharia civil de alta complexidade e envergadura, como arranha-céus e pontes de grande extensão.
Como podem servir a propósitos variados, o tamanho e potência dos túneis de vento podem variar bastante. Ajustado às finalidades didáticas da instituição, o túnel instalado na UFSM tem 8,5 m de comprimento. Com 1 m de comprimento e 46 cm de altura e largura, a seção de testes é onde acontece a simulação propriamente dita. É lá, na parte central do túnel, que são inseridos os modelos em escala dos projetos de aeronaves, e é onde se observam – através de telas transparentes de policarbonato e de sensores instalados – os efeitos do escoamento do ar em diferentes velocidades. Além da velocidade do vento, os sensores medem variáveis como pressão diferencial, temperatura e umidade, além de parâmetros do seu exaustor (hélice), como rotação e corrente elétrica.
Os ventiladores instalados em escritórios, lojas e residências produzem o vento empurrando o ar na direção das pessoas, aliviando o calor durante o verão. No túnel de vento, entretanto, aplica-se o princípio contrário. Uma hélice de nove pás, localizado no setor de exaustão (na parte traseira), produz vento aspirando o ar para dentro da seção de testes. Trata-se de um exaustor industrial, movido por um motor elétrico com potência de 30 hp, sob uma corrente de até 50 amperes.
A parte da frente é a de construção mais complexa, e também a mais alta e larga do túnel, formando um quadrado de aproximadamente 2 m de aresta. Trata-se do setor de admissão do ar, que é por onde ele entra no túnel e onde o vento é suavizado. A primeira parte desse processo acontece em uma “colmeia” de alumínio constituída por pequenas aberturas hexagonais de 4 mm, à qual se seguem três telas de aço inoxidável. Além de evitar que resíduos sólidos entrem no túnel, o processo de suavização do vento possibilita que o seu escoamento aconteça de forma adequada, com uniformidade e baixos níveis de turbulência.
Projeto e fabricação – O material que recobre a maior parte do túnel de vento da UFSM, especialmente nos setores de admissão e exaustão, é um compósito reforçado por fibra de vidro (com acabamento interno por laminação com gel coat), o qual é comumente usado, por exemplo, na fabricação de piscinas e barcos. A fabricação, montagem e instalação do túnel, que custou R$ 179 mil, coube à empresa Aston, vencedora da licitação e especializada na indústria de controle e automação.
Embora existam empresas especializadas na fabricação de túneis de vento, o coordenador do curso de Engenharia Aeroespacial, André Luís da Silva, explica que – principalmente por razões econômicas – foi dada preferência a um projeto próprio, para posterior encomenda via licitação. Além de mais caros, os túneis dessa categoria à venda no mercado têm desempenho menor. A decisão por um projeto próprio acabou beneficiando também os alunos que dele participaram, pois tiveram a oportunidade de, ao mesmo tempo, enriquecer os seus currículos e exercitar a criatividade na aplicação dos conhecimentos obtidos no curso, e ainda manter contato com profissionais de destaque em sua área de atuação.
Além do professor André Luís, que coordenou o projeto, dele participaram o professor Roberto Begnis Hausen, o técnico em eletromecânica Thiago Rodrigues Garcia e os alunos José Carlos Ignácio Gonçalves Zart, Leonardo Barros da Luz e Wilcker Neuwald Schinestzki, do curso de Engenharia Aeroespacial. Os acadêmicos atuaram sob a orientação do professor Roberto da Mota Girardi, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que participou do projeto voluntariamente via internet.
O túnel de vento projetado por eles servirá, de agora em diante, como instrumento para desenvolver vários outros projetos no curso de Engenharia Aeroespacial, ou até mesmo em outras áreas da engenharia. Os testes de modelos em escala no túnel vão possibilitar a validação experimental de projetos que se encontram em uma fase mais avançada de desenvolvimento, de forma a complementar as etapas iniciais de projeto analítico e assistido por computador.
A estrutura básica do túnel de vento, atualmente em operação, carece ainda de instrumentos para realização de ensaios, tais como balança aerodinâmica e módulo de aquisição de pressão. Uma das alternativas cogitadas para custear a operação e a instrumentação do túnel consiste em parcerias com instituições externas, de natureza pública ou privada, para as quais possam ser prestados serviços em troca de recursos financeiros ou materiais.
O coordenador do curso informa também que existe a intenção de, em um futuro próximo, transferir o túnel de vento para outro local, devido ao ruído que ele emite, o qual pode ultrapassar 100 decibéis, podendo atrapalhar outras atividades desenvolvidas no CTLab. De acordo com o professor, como está prevista a doação para a UFSM de aeronaves descartadas pela Aeronáutica (para fins de estudo), o ideal seria a construção de um hangar para elas, no qual haja espaço também para o túnel de vento.
Texto e fotos: Lucas Casali