O consumo do azeite de oliva é um dos hábitos alimentares que mais têm se difundido no Brasil nos últimos anos, não só pelo sabor que agrega aos alimentos, mas também pelos benefícios que traz à saúde. Impulsionado por isso e pelas condições climáticas favoráveis, o Rio Grande do Sul tornou-se o estado com a maior área plantada de oliveiras no Brasil. Porém, por se tratar de um mercado relativamente novo no país, tanto consumidores quanto produtores ainda encontram dificuldades para se orientar nele. Enquanto estes precisam lutar para produzir o azeite e vendê-lo por um preço competitivo, aqueles se sentem perdidos na tentativa de equacionar preço e qualidade nas gôndolas dos supermercados. Para ajudar na orientação dos dois elos da cadeia produtiva, o Laboratório de Análise de Alimentos (LAA) da UFSM está oferecendo desde dezembro de 2018 o serviço de análise da qualidade do azeite de oliva.
O laboratório disponibiliza aos produtores todos os testes físico-químicos exigidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Mas o que o destaca entre todos os laboratórios que prestam esse serviço no Brasil é que o LAA é o único do país a realizar em nível comercial duas análises que, apesar não serem exigidas pelo Mapa, fornecem informações importantes a respeito do valor nutricional do azeite. Trata-se das análises de compostos fenólicos totais e de composição de compostos fenólicos. Esses compostos se destacam pelos benefícios que trazem à saúde, principalmente na redução do risco de doenças cardiovasculares, além de contribuir para o sabor, estabilidade e durabilidade do azeite, por se tratar de substâncias antioxidantes. Entre os fenólicos presentes no azeite, estão o hidroxitirosol, tirosol, oleuropeína, pinoresinol, apigenina e luteolina.
Essas duas análises são importantes também por agregar valor ao produto e para avaliar a adaptação das oliveiras às condições de cultivo do Rio Grande do Sul, identificando os olivais com potencial para a produção de azeites com melhores perfis nutricionais. Os compostos fenólicos estão presentes principalmente no azeite extravirgem. Da mesma forma que todos os outros azeites aprovados para consumo humano, esse tipo pode ser consumido cru – em mistura com saladas, massas, pães, sopas e vários outros pratos – ou usado para cozinhar alimentos. Embora os azeites virgens e extravirgens possam perder algumas de suas propriedades no processo de cozimento (com a oxidação de ácidos graxos e tocoferóis e a degradação de compostos fenólicos), eles são mais saudáveis para essa finalidade do que os óleos de cozinha refinados, como os de soja, por exemplo.
Classificação – O grupo dos azeites virgens divide-se em três tipos: extravirgem, virgem e lampante. De acordo com a instrução normativa Nº 1/2012 do Mapa, esse grupo caracteriza-se por ser um produto “extraído do fruto da oliveira unicamente por processos mecânicos ou outros meios físicos, sob controle de temperatura adequada, mantendo-se a natureza original do produto; o azeite assim obtido pode, ainda, ser submetido aos tratamentos de lavagem, decantação, centrifugação e filtração”. Ou seja, para o azeite ser considerado virgem, ele não pode ser misturado com nenhum outro produto ou substância.
O azeite de oliva é composto majoritariamente por triglicerídeos, substância cujo índice chega a 98% do produto. Como componentes minoritários, estão presentes ácidos graxos livres, diacilglaceróis, hidrocarbonetos, esteróis, álcoois alifáticos, tocoferóis, pigmentos, polifenóis e compostos voláteis. A classificação do tipo de produto, dentro do grupo dos azeites de oliva virgens, baseia-se no índice de acidez livre, índice de peróxidos e extinção específica no ultravioleta. Nos tipos extravirgem, virgem e lampante, o índice de acidez deverá será, respectivamente, menor ou igual a 0,80%, menor ou igual a 2,00% e maior que 2,00%. A tabela completa com as características exigidas está disponível na página da Associação Brasileira de Produtores, Importadores e Comerciantes de Azeite de Oliveira.
Por causa do seu elevado grau de acidez, o lampante é impróprio para o consumo humano, sendo o seu uso restrito a finalidades industriais. Somente depois de passar por processo de refino (que inclui as operações de neutralização, deceragem, clarificação e desodorização), esse azeite poderá ter uso gastronômico, da mesma forma que o tipo único, resultante da mistura do azeite refinado com azeites virgens e extravirgens. Produto obtido do mesmo fruto, o óleo de bagaço de oliva, para ser consumido pelas pessoas, deve obrigatoriamente passar por refino.
Investimento – A realização, pelo LAA, dos testes de compostos fenólicos no azeite foi possibilitada pelo Programa de Apoio aos Polos Tecnológicos, promovido pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia. Um projeto elaborado pela professora Tatiana Emanuelli, do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, foi aprovado nesse programa, possibilitando que o laboratório da UFSM investisse cerca de R$ 1 milhão na aquisição de um cromatógrafo líquido acoplado a um espectrômetro de massas.
Embora importantes, os fenóis estão longe de ser as únicas substâncias benéficas à saúde encontradas no azeite de oliva – principalmente no tipo extravirgem. Um dos principais componentes do azeite é o ácido oleico, cuja presença no produto pode variar de 55% até 83%. Trata-se de um ácido graxo monoinsaturado que ajuda a diminuir o colesterol ruim (LDL) e aumentar o colesterol bom (HDL), conhecidos respectivamente como lipoproteínas de baixa e alta densidade. Além do oleico, também se encontram no azeite ácidos graxos poliinsaturados, como o linoleico, e saturados, como o palmítico.
A análise da composição de ácidos graxos (popularmente conhecidos como “gordura”) no azeite é um dos testes complementares realizados pelo LAA, os quais incluem ainda as análises de teor de colesterol, umidade e material volátil, índice de saponificação e índice de refração. Esses testes são chamados de complementares porque não são exigidos pelo Mapa, a não ser quando o produto não estiver de acordo com os parâmetros de qualidade estabelecidos para rotulagem.
As análises exigidas pelo Mapa – cujos resultados devem constar no rótulo da embalagem do azeite – são três: índice de acidez livre (mencionada acima), índice de peróxidos e extinção específica no ultravioleta. O teste de peróxidos indica o estado de oxidação inicial. Quanto menor for esse índice, menor será a tendência do azeite de se tornar rançoso. A rancidez oxidativa também é testada através de absorção por ultravioleta em determinados comprimentos de onda, indicando o grau de deterioração do produto. A tabela de preços de cada teste ofertado pelo LAA pode ser conferida aqui.
Adulteração – Submeter o produto a testes rigorosos de qualidade é algo que pode beneficiar os produtores de azeite do Rio Grande do Sul – e de outros estados brasileiros – frente à concorrência de empresas importadoras que têm sido constantemente flagradas pela fiscalização do Mapa em escândalos de adulteração.
Empresas como essas enganam o consumidor ao vender, como se fosse azeite de oliva, óleo vegetal de origem diversa (como o de soja, por exemplo) misturado a certa quantidade de azeite (inclusive do tipo lampante, impróprio para o consumo). O Mapa já identificou mais de 40 marcas que comercializavam azeite adulterado, que com frequência alegavam comprar azeite a granel de Portugal ou da Espanha para posteriormente envasá-lo no Brasil.
Além do azeite, o LAA realiza testes com outros produtos alimentícios. Coordenado pela professora Neila Richards, o laboratório oferece também serviços de análises físico-químicas e microbiológicas de alimentos como mel, óleos e gorduras, bebidas alcoólicas, carnes e embutidos, leite e derivados, sal, farinha e similares. Outras informações sobre o laboratório, incluindo e-mail e telefones para contato, constam no endereço www.ufsm.br/dtca/index.php/analises.
Texto e fotos: Lucas Casali