Guerras, calamidades e perseguições étnicas, religiosas e políticas fazem com que, hoje, 68,5 milhões de pessoas vivam forçosamente longe de seus lares, sendo que 25,4 milhões são refugiadas em outros países. Os dados são do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR) e indicam também que 53% dos refugiados são crianças. O dia
20 de junho lembra aqueles que precisaram abandonar sua família, seu lar, seu
país e buscar abrigo em outras nações. A ONU instituiu o Dia Mundial do
Refugiado com o objetivo de alertar a população e os governos acerca da
importância da causa.
Desde 2016, a UFSM possui uma Resolução (041/2016) que
permite o ingresso à Educação Técnica e Superior para estudantes refugiados,
além de solicitantes de refúgio e migrantes em situação de vulnerabilidade. O
programa surgiu da pesquisa de campo do grupo Migraidh, que desde 2013 trabalha
a questão das migrações e viu na autonomia da Universidade a possibilidade de criar
Política Pública de Integração Local.
Segundo a professora que coordena o
Migraidh, Giuliana Redin, nas pesquisas de campo o grupo observou que muitos
migrantes relatavam a necessidade do acesso à universidade em seus projetos
migratórios. Alguns abandonaram os estudos quando vieram para o Brasil, devido à
busca de oportunidades de trabalho. Outros não conseguiram validar aqui seus
títulos, diante das exigências burocráticas e dos altos custos. A grande parte
se considerava potencialmente excluída da oportunidade de cursar o Ensino Superior,
sobretudo pela situação migratória, formação educacional em outro país,
diferença linguística e cultural e situação econômica, que os colocava em
desigualdade.
Pela Resolução, a Universidade reconhece
a possibilidade de criação de até 5% de vagas suplementares em todos os cursos — desde que haja aprovação do colegiado dos
mesmos — destinadas a migrantes em situação de
vulnerabilidade e refugiados. Ou seja, não são vagas ociosas ou oferecidas em
critério de igualdade, como as disponíveis via Sisu.
“A novidade dessa Resolução, que tem feito ela
ser reconhecida nacional e internacionalmente, é que ela vai olhar para a
questão migratória como algo muito mais complexo”, declara Giuliana.
Tradicionalmente, as políticas de integração voltam-se ao refúgio, ao amparo
àqueles que foram forçados a saírem de seus países e não podem retornar
enquanto estiverem em situação de risco de vida.
Na UFSM, além dos refugiados, são
acolhidos também migrantes em situação de vulnerabilidade, que vêm para o
Brasil em busca de oportunidades, por fluxo migratório, ou a partir das
contingências do país de origem. “Essas pessoas migram com projeto de vida. É
um direito buscar oportunidade de uma vida melhor. Mas, quando chegam, acabam
entrando em uma relação perversa com o Estado, porque tem a dificuldade
documental, porque acabam se submetendo a situações de desemprego… elas também
estão submetidas a múltiplas vulnerabilidades”, completa a professora.
Hoje, são 53 alunos matriculados a
partir da Resolução — além
de outros processos que tramitam internamente —, que vieram de 16
países. Benjamin Tillet* saiu do Haiti e
veio para o Brasil com 21 anos, em junho de 2012. Durante um ano e meio, fez um
curso de idiomas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em busca
da concretização profissional ingressou na UFSM, logo que surgiu o edital para
migrantes e refugiados. “A primeira coisa do meu objetivo era estudar. Sem o
estudo e o idioma a gente não consegue fazer um curso universitário aqui. A
gente sabe muito bem a demanda e a exigência da leitura, da interpretação dos
textos, independente do curso que for”, destaca.
O estudante afirma que a
oportunidade de frequentar o curso de idiomas, que possibilitou a ele um nível
avançado de fluência, e a Resolução que garantiu seu acesso à graduação, darão
a ele a possibilidade de defender seus direitos, em qualquer lugar que estiver,
bem como de lutar pelo direito de outros migrantes e refugiados. “A experiência
que estou tendo aqui, independente das dificuldades, não me interessa. O que
está me interessando agora é a questão do conhecimento, subtrair todas as
dificuldades e levar o que há de bom pro meu país.”
Benjamin nota muitas diferenças na
cultura brasileira, sobretudo no Sul. Quando perguntado, destaca que o mais
impactante é o frio intenso e os casos de xenofobia que os migrantes sofrem.
Segundo ele, muitos deles chegam ao Brasil com Ensino Superior completo, mas
são prejudicados por questões de idioma e raciais.
Sobre o assunto, a professora
Giuliana comenta “não vai chocar a imigração europeia. Essa chega a ser
desejada. Causa incômodo, em uma sociedade xenófoba e racista, certas
imigrações, sobretudo de países pobres. E aí entra sempre o discurso discriminatório
de que esses migrantes tiram a vaga na universidade, o emprego… Como se
fossem os responsáveis pelos problemas estruturais de um país e suas
desigualdades sociais. Independente de onde vêm, os migrantes têm o direito de
buscarem melhores condições de vida, acessarem direitos, inclusive de igualdade
de oportunidades. Assim, afirma também que o Migraidh tem feito um trabalho de
sensibilização com a comunidade.
Neste processo de conscientizar a
sociedade santa-mariense, Giuliana comemora a construção da Carta de Santa Maria sobre Políticas Públicas para
Migrantes e Refugiados, que recebeu a moção de apoio do
Legislativo Municipal, aprovada unanimemente pelos vereadores. A partir do
trabalho desenvolvido pelo Migraidh, em 2015 a UFSM também assinou o Termo de
Referência com o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) que instituiu a
Cátedra Sérgio Vieira de Mello da UFSM. O Migraidh é o responsável técnico pela
Cátedra e, assim, está
credenciado à difusão e promoção do direito internacional dos refugiados. Em janeiro de 2018, o reitor Paulo Burmann apresentou na sede da ONU, em Nova York, as ações da UFSM para proteção de migrantes e refugiados.
Além
do ingresso, a UFSM também se preocupa com a permanência dos alunos
estrangeiros. É oferecido aos migrantes o Benefício Socioeconômico, que inclui
moradia e alimentação. A Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), Pró-Reitoria de
Extensão (PRE) e Pró-Reitoria de Graduação e Pesquisa (PRPGP) também abriram,
neste semestre, nove bolsas para projetos de ensino, pesquisa e extensão
destinadas exclusivamente a migrantes. Além disso, a Prograd criou um edital
para seleção de monitores. “São
alunos que vão concorrer para monitorias, para auxiliar os migrantes em
nivelamento nos estudos. Iremos colocar uma monitoria em cada curso” reitera o
pró-reitor adjunto e coordenador de Planejamento Acadêmico da Prograd, Jerônimo
Tybusch.
O estudante Benjamin destaca ainda
que os migrantes também se preocupam muito com as condições de permanência.
Alguns estudam em período integral, sem possibilidade de trabalharem e sem
parentes próximos para os ampararem. Assim, grande parte dos migrantes que
vivem em Santa Maria se reuniram em um comitê, criado com a finalidade de
buscar soluções para suas demandas. “A gente é estudante, a gente está buscando
nosso sonho, nossos direitos, pra melhorar mesmo. Então precisamos saber como
nos organizar.”
Hoje, 23 cursos da Instituição
contam com alunos estrangeiros matriculados através da Resolução 041/2016. As
expectativas são de que esse número siga aumentando, assim como a difusão do
programa. Os editais para ingresso são lançados no primeiro semestre de cada
ano.
Nesta quarta-feira (20), a coordenadora do Migraidh, Giuliana Redin, e a mestranda em Direito e integrante do Migraidh Jaqueline Bertoldo serão entrevistadas por Rejane Miranda no Fazendo Arte, que vai ar a partir das 11h5min pela Rádio Universidade e UniFM.
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Nome fictício usado para preservar a identidade da fonte
Texto: Melissa Konzen, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias da UFSM
Edição: João Ricardo Gazzaneo