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​A justiça como utopia



“Direito ou Justiça? Lex
ou Ius?” Este foi o título da
palestra que o jurista Eros Roberto Grau proferiu na UFSM na noite de
quinta-feira (9). Alternando erudição filosófica e literária com tiradas
humorísticas e citações de música popular, o ex-ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) expôs a sua visão quanto ao tipo de justiça que a sociedade pode
esperar dos aparatos jurídicos, e dos juízes em particular. “Você quer ser juiz
ou justiceiro?” A indagação feita pelo jurista durante a palestra foi uma forma
mais direta de equacionar um problema diante do qual os magistrados
frequentemente se deparam: a impotência da lei, por seu caráter geral e
abstrato, como instrumento para fazer justiça em um caso concreto e único.

Nascido em
Santa Maria, onde passou parte da infância, Eros Grau
manifestou com frequência os vínculos afetivos que ainda mantém com a cidade.
Formado em sua maioria por advogados, estudantes e professores de direito, o
público que lotou o auditório da antiga reitoria foi cativado por esse
sentimento de familiaridade.

Eros Grau repetiu várias vezes com orgulho: "eu sou de Santa Maria"

É possível dizer que Eros Grau começou a palestra do mesmo
jeito que a terminou, afirmando que a justiça plena é um atributo
exclusivamente divino, estando acessível ao ser humano de forma bastante
precária. “A justiça é em ainda nosso tempo e nosso mundo uma utopia, pura
utopia”, disse o jurista no início da conferência.

Utopia – Ao longo
dos séculos, não faltaram utopistas que especularam de que modo a humanidade
poderia alcançar a justiça em sentido pleno. Durante a palestra, Eros Grau
tentou estabelecer um diálogo com diversos conceitos utópicos de justiça,
elaborados em épocas diversas. Neste sentido, ele citou autores da Renascença,
como Tommaso Campanella e Thomas More, para chegar até o socialismo dos séculos
19 e 20, com destaque para Karl Marx, depois voltando no tempo até a Grécia
antiga, e confrontando essas utopias com as concepções das filosofias
aristotélica e platônica e do teatro de Sófocles.

Após citar uma afirmação de Thomas More, que coloca a quantidade
excessiva de leis como uma das grandes causas de injustiças, Eros Grau a
confrontou com o contexto brasileiro contemporâneo.

“Nós estamos a repetir, nas faculdades de direito e nos
tribunais a toda hora, num elegante latim: ignorantia
legis neminem excusat
(“a ignorância da lei a ninguém escusa”).
E, no entanto, nós estamos fartos de saber que nenhum juiz, de nenhum tribunal,
é capaz de conhecer as leis que existem nesse país. Isso é um cipoal de
leis”, disse o palestrante.

Foi do livro A Cidade
do Sol
, de Campanella, que Eros Grau retirou o tema e o título da
conferência que proferiu. Na utopia do filósofo e escritor italiano, não é a
lei do mais forte que comanda, mas a do mais sábio. Entretanto, mesmo a lei do
mais sábio não é senão lex. “Uma
coisa é a lei, produzida pelos homens. Outra coisa é isso que se busca: ius, a justiça”, resume o jurista.

Princípios – De
acordo com o palestrante, o direito tende a ser um instrumento de dominação
social e de legitimação do modo de produção vigente. A discrepância entre o
legal e o justo chega a ser tão grande que, na opinião dele, a justiça é um
tema mais afeito ao âmbito da filosofia, história e religião do que
propriamente do direito.

Eros Grau alerta, no entanto, quanto ao risco de se tentar
substituir o direito pela ética. “Qual ética, a minha ou a sua?”,
questiona. Isso pode acontecer quando o juiz toma a decisão com base, não no
texto da lei, mas no “princípio” que – na opinião do próprio juiz –
dá origem a ela. Tal postura, segundo o palestrante, levaria o magistrado a
“decidir como ele quiser” e, por conseguinte, a “despedaçar a
segurança jurídica”.

Embora considere que o juiz não seja um mero reprodutor da
constituição e das leis, Eros Grau considera que, nesse contexto, os
“princípios” não passam de uma “desculpa que vai justificar
qualquer tipo de decisão”, ou ainda “um escudo que oculta medidas
individuais”.

Mesmo não se considerando um conservador, Eros Grau desta
forma posiciona-se pela positividade do direito, em contraposição à corrente do
direito alternativo. Em seu apoio, ele cita o jurista Hans Kelsen, segundo o
qual a justiça absoluta é um ideal irracional.

Outras atividades –
Ao longo da palestra, Eros Grau repetiu com orgulho várias vezes: “eu sou
de Santa Maria”, como se esta fosse uma de suas grandes qualidades. Mais
conhecido do público em geral como ministro do STF, cargo que exerceu de 2004 a 2010, ele atuou
durante cerca de 30 anos como professor na Universidade de São Paulo (USP). Na
França, foi professor visitante nas universidades Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e
de Montpellier. É autor de várias obras na área da jurisprudência e arriscou-se
inclusive como romancista, ao lançar o livro Triângulo no Ponto. Outras informações sobre sua vida e obra estão
disponíveis aqui.

A palestra da última quinta-feira foi a primeira de um ciclo
promovido pela UFSM. A cada mês, a instituição trará uma personalidade renomada
em sua área de atuação para ministrar uma conferência. O objetivo é oportunizar
o intercâmbio de ideias e pesquisas de alto nível, bem como subsidiar a comissão
estatuinte da universidade.

Texto e fotos: Lucas Casali

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