Aurea Evelise Fonseca não tem problema com números. Fala para quem quiser que ingressou no curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFSM em 1977, e de lá saiu formada em 1981. Com orgulho, comenta que são 34 anos de jornalismo. A data é contada por Aurea desde o estágio que ela iniciou no primeiro semestre da faculdade. Porém, há um número problemático para a jornalista. “Não precisa dizer, né?”, ela ri, tentando fugir da pergunta. E completa: “eu digo para os meus alunos, só me venham com a idade das pessoas se ela for significante dentro da notícia. Senão, não perguntem a idade para ninguém”. Para a infelicidade de Aurea, a idade é sempre significativa dentro de um perfil. Por fim, a resistência é quebrada: são 53 anos de vida, sendo que um terço desse tempo foi vivido dentro da segunda casa da jornalista – a UFSM.
A última semana do ano de 2011 é a última semana de trabalho de Aurea na Agência de Notícias da Universidade. A jornalista tem se dedicado diariamente a atualizar o site da UFSM pelas manhãs. Uma vez que os veículos de divulgação acessam a página, o material é enviado para Aurea e, em seguida, está disponibilizado para qualquer um ler. Obviamente, nem tudo foi tão fácil assim. “A gente passou por todas essas etapas tecnológicas para chegar ao que está hoje”, explica.
As primeiras recordações remontam ao final da década de 1970, quando as notícias eram enviadas à imprensa através de mimeógrafos. A próxima evolução seria o xérox. Em seguida, viria o fax, em que as pessoas ficavam horas e horas passando metros de notícia para a imprensa.
Aurea sempre se imaginou no trabalho de uma jornalista. Desde criança, acostumou-se a ouvir rádio e enxergava a si própria produzindo a informação. Não foi à toa que logo que ingressou na Universidade estagiou no gabinete do Reitor, ainda no seu primeiro semestre. O material produzido por Aurea era levado diretamente para a Rádio Universidade – na época, funcionando no terraço da Antiga Reitoria. No começo dos anos 80, a Rádio foi transferida para onde está agora, no décimo andar da Reitoria, e passou a ter uma ligação direta com a mesma. Com a criação do DEDI (Departamento de Divulgação), foram integrados os relações públicas e os jornalistas que atuavam na Rádio. Era o embrião do que viria a ser a Coordenadoria de Comunicação da Universidade, quando juntaram-se, oficialmente, TV e Rádio. Nessa soma dos dois órgãos de comunicação, criou-se a Agência de Notícias, e o serviço de assessoria de imprensa – que já existia desde a década de 1970 – foi institucionalizado.
Quando o fax deu lugar à Internet, surgiu a primeira página da Universidade, na gestão do professor Odilon. O site ainda não tinha o caráter de alimentar as informações em tempo real como é hoje. Reportagens e informações diárias eram publicadas, ainda que não com o ritmo desenfreado que a Internet adquiriu com o passar dos tempos. Quando se criou a coordenadoria de comunicação, a página foi reformulada. O layout se modificou e o site passou a ser alimentado constantemente.
Rádio para todos
Foram muitos os estagiários que trabalharam tanto na Rádio Universidade como na Agência. Aurea ensinou gerações de estudantes, a partir do momento em que foi chefe de redação no início dos anos 90. “O retorno dos meus ex-estagiários é gratificante. Foi muito importante para a vida deles, paralelo ao curso, terem passado por essa experiência prática”. Ela cita o caso de um e-mail que recebeu ano passado, de um ex-estagiário que hoje atua como repórter especial da Folha de São Paulo. O e-mail agradecia os 20 anos de jornalismo que o ex-estagiário comemorava – a data era contada não pelo momento em que ele ingressou na faculdade ou saiu dela formado, mas, sim, quando passou a estagiar com Aurea. A jornalista comenta que chorou quando leu o e-mail, “porque era um exemplo de como a gente pode fazer a diferença na vida das pessoas”. As lágrimas voltam a se fazer presentes quando Aurea recorda a mensagem de seu ex-estagiário.
A coleção de histórias que Aurea guardou durante anos sobre a experiência com os estagiários levou a jornalista a criar o projeto de uma rádio-escola. Na época em que ela esteve na direção da Rádio Universidade, os laboratórios do curso de Comunicação estavam “sucateados”. Quando assumiu o cargo, Aurea propôs o projeto, que foi abraçado também pelo professor Paulo Roberto Araujo. “Se os cursos da área de saúde faziam escola dentro de um hospital universitário, trabalhavam com pacientes e adquiriam experiência, por que não fazer isso na nossa área de rádio também?”. A ideia foi aceita, e o ensino de Radiojornalismo saiu da Faculdade de Comunicação Social para chegar até a Rádio Universidade. “Os alunos vieram fazer rádio aqui, na prática. Até então o pessoal fazia o que podia, mas estavam completamente sucateados. A gente sempre tinha um ou outro estagiário aqui, mas era um número restrito. E eu queria ver isso estendido para todos”.
Os primeiros anos da rádio-escola foram tocados pelo professor Paulo e por Aurea. Quando a jornalista deixou a direção da Rádio Universidade, o professor assumiu sozinho o projeto, que em 2011 completa 16 anos. “Essa experiência de fazer parte do ensino, da formação dos novos jornalistas, especialmente do projeto da rádio-escola… pra mim não tem nada que se compare a isso. É o maior legado que eu acho que levo”. O entusiasmo de Aurea certamente contagiou seus filhos, já que dois são da área da Comunicação Social: Nicholas é formado em Jornalismo, e Vínicius é publicitário; o terceiro é designer e se chama Júnior.
O incômodo com a falta de incômodo
Além das diferenças tecnológicas que Aurea presenciou com o passar dos anos, ainda há uma questão comportamental que incomoda a jornalista: ninguém mais se incomoda. Ela se refere aos jornalistas da década de 1980, que utilizavam a capacidade de duvidar, questionar, interrogar tudo e ir atrás, em uma época que o recurso mais tecnológico se chamava reflexão. “O inconformismo tem que fazer parte da natureza do jornalista”, reitera. Aurea, porém, não condena as novas gerações, e as classifica como frutos da atual sociedade, em que tudo vem pronto. “Esse acesso muito fácil e multifacetado a todo tipo de informação talvez possa interferir de certa forma no comportamento das novas gerações de profissionais. O exercício da dúvida é o que nos leva a pensar e a fazer melhor. A gente não pode deixar apagar isso”.
Ainda que se preocupe com as gerações atuais, Aurea deixa claro que é a favor das novas tecnologias. Considera a democratização dos meios digitais muito bem-vinda, sendo a favor dos blogs como veículos de expressão de idéias. Porém, difere o papel do cidadão, que posta em sua página, e o exercício do jornalista. “São coisas diferentes. Nós temos a formação específica de dar tratamento à informação. Vou procurar desvendar, não vou expor a minha opinião. O jornalista, de repente, vai ter que escrever diferente do seu ponto de vista, que pode ser contrariado pelos fatos”. Mesmo que existam pessoas sem formação na área, mas com alto poder de reflexão, o exercício do jornalismo será sempre diferenciado, segundo Aurea.
Das maiores dificuldades que passou na profissão, a jornalista elenca alguns desapontamentos com a Universidade. “Em determinados momentos, a imagem da instituição é prejudicada por conta de atitudes, de gerenciamentos, que não condizem com esse perfil público, transparente e democrático que deveria ser o da Universidade. Muitas vezes ela se fecha em algumas situações e deixa de dar o devido acesso para que ela realmente seja pública”. A transparência da UFSM, é claro, passa pela atuação de Aurea. É comum que o trabalho do jornalista seja criticado nas horas em que a Universidade não é capaz de dar a devida resposta à sociedade.
Apesar das decepções, Aurea trabalhou até mais do que precisava na Universidade. Em sua última semana, a jornalista se despede da UFSM para continuar dando aulas na Unifra, onde leciona há quatro anos e meio. “Estou realmente me aposentando porque fechou meu tempo aqui e, então, optei por seguir meu trabalho lá. Senão, talvez eu fosse continuar aqui. Porque eu não me sinto cansada disso. Eu me sinto muito entusiasmada com esse processo da produção de conteúdo e da formação de novos jornalistas”. Agora, possivelmente, Aurea terá mais tempo para se dedicar aos livros, em especial àquele que não sai de sua mesa-de-cabeceira – a Bíblia, que ela classifica como um compêndio da história que inclui filosofia e literatura. Porém, o preço do tempo extra vem ao custo do desaparecimento de uma rotina que acompanhou os últimos 34 anos da vida de Aurea. Quando a jornalista é questionada sobre a falta que fará no seu ambiente de trabalho, uma risada trata de desconversar a pergunta: “isso eu não sei, vocês é que vão dizer”.
Repórter:
Dairan Paul – Acadêmico de Jornalismo.
Edição:
Lucas Dürr Missau.